19 dezembro 2006

Tom e...

Qual o nome que vem a seguir?

Dastardly and Muttley - Wacky Races (As Corridas Mais Loucas do Mundo)Por uma resposta correcta a esta pergunta, eu não ofereço nenhum chupa. Por isso escusam de começar aí a babar só de imaginar aqueles chupas grandes e coloridos ou os outros, que eram os vossos preferidos, aqueles que adoravam quando eram pequenos e pelos quais pediam 25 tostões que à vossa mãe tinham custado a ganhar.

FlinstonesHoje foi notícia em todos os serviços noticiosos que são minimamente dignos desse epíteto, a morte de Joseph Barbera.

Desde pequenos que convivemos com as maravilhosas criações da dupla Hanna-Barbera, das quais Tom & Jerry são as mais notáveis.

Top CatA notícia, vista de raspão na Internet, chocou-me.
Não pela morte do artista em si mesmo, afinal o homem já tinha 95 anos, mas porque, olhando para o panorama actual da cultura infantil, com o seu desaparecimento não vejo sucessores à altura. Isso deixou-me triste.

The JetsonsRegressei a casa e a notícia voltou a surgir nas minhas incursões pela rede.
Foi então que resolvi escrever esta nota.
Taciturno e nostálgico, preparei-me para escrever aquelas palavras tristonhas, pesadas, que quando se lêem arrepiam e nos deixam calados.

Para ilustrar o texto procurei alguns desenhos, nem vinte segundos passaram e...



Como que por artes mágicas o meu sorriso voltou e as minhas gargalhadas fizeram-se ouvir no edifício.

Scooby-DooSe a minha vizinha não tivesse a consciência pesada, por fazer todos os dias uma chinfrineira maior que qualquer banda filarmónica durante um ensaio, com pratos, tubas e bombos, provavelmente teria batido à minha porta para me mandar calar.

É virtualmente impossível ficar imune a um simples desenho de uma qualquer cena de Tom & Jerry. Desafio qualquer um a tentar!


Atom Ant (Formiga Atómica)E como a tecnologia é uma maravilha, até vídeos se encontram por ai... ri até me doerem os abdominais.

Rendi-me!... a minha disposição melhorou exponencialmente e esqueci todas as palavras carrancudas.

E por isso esta nota vai ser curta.
Vou ver mais uns bonecos!


Tom e Jerry

O jogo do gato e do rato é um clássico mais velho que o tempo mas foi reinventado e descrito com a mestria que só está ao alcance de alguns predestinados.




 

 


Obrigado Bill.William Hanna e Joseph Barbera com Tom e JerryObrigado Joe.


Pelo Tom, pelo Jerry, pelos Flintstones, pelos Jetsons, pelas Wacky Races, pelo Scooby-Doo, pelo Top Cat, pelo Yogi Bear (Zé Colmeia), pela Formiga Atómica e por tantos outros que agora não me lembro mas que me apetece rever.

18 dezembro 2006

Novo Reino...

O Mundo é redondo e gira.
Roda em torno de si próprio.
Ciclo que marca o compasso da vida.

E o movimento é pleno, circular.
A noite encontra o dia e o dia mergulha na noite.
Cão que corre atrás da sua cauda.
Pescadinha de rabo na boca.

E no fim voltamos ao princípio.
Do princípio partimos para o fim.

E as ilógicas sequências de acontecimentos rodopiam e tornam-se evidentes quando alargamos a escala temporal.

Camões, esse “Príncipe dos Poetas”, essa luz maior no firmamento da nossa cultura, eternizou a epopeia portuguesa. Verso após verso, estrofe após estrofe, encerra nos Lusíadas várias revoluções do globo e conclui um ciclo da história.

A sua obra-prima é, segundo reza a lenda, inspirada na decadência do reino.
O círculo volta a fechar-se, é na decadência que se invocam as memórias dos grandes feitos.
O Luís Vaz quis preservar o estado de graça da sua pequena Pátria e do seu grande Império.

Mas Camões é também um elo desta corrente que nos cinge à nossa condição, é parte integrante deste todo. A sua influência é tão positiva que se repercute também nas páginas negras da história.
Talvez seja isso que define os grandes génios, a sua capacidade para unir os opostos.
Como tantos outros génios, que viveram antes e depois, o Poeta dá o seu contributo para a glória e para a desventura.

Camões abraça e beija a Pátria e instiga-a a feitos maiores.
Os Lusíadas são um grito de incitamento!
Desenha o mapa dos caminhos trilhados e dos mares navegados.
Mostra “a grande máquina do Mundo”.

Mas Luís Vaz de Camões dedicou o seu poema épico a D. Sebastião.
E, apontando “o Mouro frio”, exalta os seus feitos futuros ao serviço da Lusitana liberdade e “aumento da pequena Cristandade”.

D. Sebastião, “o novo temor da Maura lança”, parte à conquista de África, que nunca será sua, e entrega o destino de Portugal à sorte que se conhece.

Camões morre, meses antes de Filipe II de Espanha se tornar o I de Portugal, afirmando: “Ao menos morro com a patria”.

E as águas do tempo fluíram até ao mar, evaporam-se, choveram e voltaram a brotar nas nascentes.
E a memória do Poeta preservada e enaltecida à justa luz dos seus feitos e escritos.


Pequenas anotações:

Camões atribui a D. Sebastião aquela que é, na minha singela opinião, a maior homenagem que algum português jamais recebeu. É a D. Sebastião que as 1102 estâncias dos Lusíadas são dedicadas.
Quis o irónico destino que essa dedicatória ficasse imbuída de um simbolismo próprio que eu considero transcender a conjuntura histórica.
Para mim é um reflexo de nós próprios, do ego e orgulho maiores do que conseguimos albergar dentro de nós, que nos fazem desperdiçar as nossas potencialidades e as oportunidades de que dispomos.


A influência dos génios na história do mundo é por demais evidente.
Albert Einstein, ciente das reacções em cadeia dos átomos de urânio, cometeu, segundo o próprio afirmou, o maior erro da sua vida quando escreveu a Roosevelt.

15 dezembro 2006

Fecho os olhos...

 

Apetece-me fechar os olhos...
Recostado num sofá... lá longe...

Sentado numa cadeira, enterro a cabeça nas mãos e fecho os olhos.

Escuto ruídos...
Uma criança que grita e chora...
Mobília que se arrasta no fim de um jantar...
Sons estridentes que me rasgam os tímpanos...

Uma televisão...
Uma música que toca...

Sinto nas minhas têmporas o ritmo do meu sangue.
Estou tenso e tento relaxar.
Músculos tão retesados que magoam.

De repente o silêncio...
Apenas um ventilador continua o seu zumbido...
Uma torneira pinga.

Encosto as costas no espaldar da cadeira...
Olhos fechados...
Respiro com mais calma...
Massajo as cervicais que doem debaixo dos meus dedos.
Dor e alívio...

Ganho coragem para me levantar.
Respiro fundo e sigo para a cama.

Preparo-me devagar... sem pressas...
Antecipo o momento em que volto a fechar os olhos...

O meu corpo quente recebe com prazer o frio dos lençóis.

Aconchego-me...
Fecho os olhos...
Respiro fundo...
Adormeço...

Deixando para amanhã algo do que poderia ter feito hoje.

13 dezembro 2006

MCXLIII...

No decorrer de uma amena cavaqueira alguém afirmou que o D. Afonso Henriques teria sido o rei português que fez o maior erro da nossa história.
Esta insólita acusação foi sustentada na opção táctica, segundo o meu interlocutor errada, de reconquistar para Sul em vez de conquistar para Leste.

A coisa foi apresentada num tom de voz tal, que deixou no ar a insinuação de que o Afonso, no auge da sua juventude, teria comido uns cogumelos alucinogénios antes de partir com o seu exército à conquista dos castelos mouros.
Eu rejeitei, peremptoriamente, este impropério!

Anos mais tarde, por mero exercício de retórica, resolvi analisar alguns dos prós e contras desta teoria. Afinal estamos, ao que dizem, na época em que o contraditório está na moda e só me fica bem aceitar e respeitar as opiniões dos mais velhos.

A minhas pequenas células cinzentas(1) devem ter escurecido bastante devido ao esforço aplicado, durante horas e dias a fio, na tentativa de prever todas as consequências de uma conquista para Leste.

Não atingi uma conclusão que me agradasse e por isso assumi, nas restantes reflexões, que a ideia seria conquistar não só para Leste mas também para Norte, ocupando toda a faixa norte da Ibéria.
Espanha teria as restantes três fronteiras iguais e no pedaço Sul, que sobraria do canto ocupado hoje por Portugal, estariam os Sarracenos.

Como não quero ser acusado de ser fundamentalista, nem tão pouco influenciar o vosso julgamento, apresento uma pequena compilação não classificada.

Portanto, se o Conquistador tivesse seguido para Leste:

  • Integraríamos no nosso território a cordilheira cantábrica e parte dos Pirinéus.
    Belas paisagens e picos bem acima dos dois mil metros, mais altos ainda que o Pico.

  • Portugal teria um acesso mais directo ao mar do Norte.
    Pouparia muito combustível para ir pescar bacalhau. E para Norte seria mais fácil de descobrir do que para Sul. Talvez atormentássemos os povos do Norte, assim ao jeito dos Vikings.

  • Não existiria a expressão “amigos de Peniche”(2). Seriam amigos doutra terrinha qualquer.

  • Olivença era espanhola (ou marroquina) e nós não nos preocupávamos com isso.

  • Com os galegos não haveria dificuldades, acho que eles até preferiam ser portugueses, mas com os bascos, que querem ser bascos, poderíamos ter problemas.
    Para terroristas com manias independentistas já nos chega o governo regional da Madeira. Isto partindo do pressuposto que as ilhas eram nossas.

  • Devido ao fluxo de imigração ilegal, já teria sido construído um muro ao longo das fronteiras terrestres entre Marrocos e os outros dois países da península.

  • Faríamos fronteira com a França.
    Se Napoleão atravessou toda a península e contou com a ajuda dos espanhóis, para nos tentar invadir, o que aconteceria se estivéssemos entalados entre essas duas nações?

  • A Lusitânia não estaria incluída nos nossos territórios.
    Seria muito complicado designar aqueles a quem, com orgulho hipócrita, chamamos de Luso descendentes, filhos de uma quarta ou quinta geração de emigrantes bem sucedidos, no Canadá ou noutro país qualquer.

Fiquei depois a matutar como seria o mundo se Portugal tivesse crescido na outra direcção.
Eis algumas perguntas para as quais não obtive respostas concretas:

  • Teríamos descoberto o Mundo?
  • Os brasileiros falariam árabe e os norte-americanos português?(3)
  • Sobre quem recairiam das piadas que hoje são sobre alentejanos?
  • O azeite seria tão bom como o nosso ou seria parecido com o óleo de colza espanhol?
  • E as sardinhas? Como toda a gente sabe, quando são pescadas fora das actuais águas portuguesas perdem a maior parte das suas qualidades.

Estas dúvidas existenciais apenas reforçam aquilo que o meu instinto me dizia: o Afonso não era tolo. Fê-la bem feita!

Eu cá sempre admirei o Afonso, o Fundador. Ele foi o primeiro!
Órfão de pai, teve de mostrar à mãe quem era o homem lá em casa.
Depois dessa pequena querela familiar, o rapaz ganhou o gosto pela espadeirada e descarregou tanto nos mouros (afinal não se deve bater na família), que ganhou o direito a ser rei de um país.

Em Zamora, a 5 de Outubro de 1143 (quem não sabe esta data não é Português!)(4), foi assinado o tratado no qual Castela, Leão e aqueles reinos que para ali estavam a oriente, reconheceram Portugal como um reino independente.

Por tudo isto ilibo de vez o D. Afonso Henriques.
Além de que, cá para mim, houve um rei que fez uma asneira muito maior. Precisamente aquele a quem foi prestada a maior e mais simbólica homenagem jamais prestada a um português!(5)
Irónico não é?

T.P.C.
(1) “Pequenas células cinzentas” é uma expressão colocada com mestria na boca de um famoso detective. Sabem de quem estou a falar?
(2) De onde vem a história dos “amigos de Peniche”? Na pequena lista que apresentei faço mais duas referências explícitas a esse período conturbado da história. Conseguem identificá-los?
(5) O rei é D. Sebastião e a asneira é sobejamente conhecida. Sabem qual foi a homenagem que lhe foi prestada? Esta hoje vale o chupa.

Nota para pensar:
(3) Já imaginaram como estaria neste momento o equilíbrio do mundo se os Estados Unidos tivessem sido criados por portugueses e o Brasil fosse um estado muçulmano? Estou tentado a acreditar que a geopolítica louca em que estamos embrulhados seria bastante diferente...


Nota extra:
(4) O dia em que o tratado de Zamora foi assinado é celebrado como feriado nacional mas por um motivo diferente.
Ironicamente, ou talvez não, exactamente 767 anos depois de o reino ter sido oficialmente criado, acabou-se com a monarquia e implantou-se a república.

03 dezembro 2006

Chupa-chupas...

Há uma data que quem não a sabe não é Português.
Este é, para mim, o teste básico à origem do sangue que vos corre nas veias.
Qual a data e porque é que lhe é atribuída tanta importância?

A propósito, esse dia é feriado em Portugal?

A primeira resposta a estas perguntas recebe um chupa-cupa.
O mesmo prémio será oferecido à primeira resposta correcta e bem justificada.
E ofereço um terceiro à resposta que, certa ou errada, eu considerar mais original.

Sorrir...

Disseram-me aqui há dias que estas notas revelavam nostalgia.
Sou levado a concordar, até certo ponto, com essa ideia.
Afinal estou a exercitar a minha memória, são as recordações que temos da vida que acabam por revelar quem somos.
Mas estou também a experimentar o meu sentido crítico, que ganhou uma perspectiva diferente.

Mas o meu esforço tenta ir um pouco para além dessas escapadelas pelo passado recente e invocações do património cultural português.
Numa rede que já é global, onde se perde a identidade individual e colectiva em modas disseminadas e já interiorizadas, onde a escrita se adapta e a informação se perde nos excessos e redundâncias de um consumo massivo, procurei apenas um escape, mas vejo que alcanço um pouco mais. Que atinjo um patamar em que partilho convosco o meu ser.

Vou, por isso, lançar um desafio.
Na prática serão vários desafios.
Pequenas mas importantes questões, que vos vou colocar à laia de teste diagnóstico, para aferir a condição da vossa cultura.

Assim, presunçoso e altivo, vou educar-vos!

A ideia é simples – ensinar, aprender e ver aqui presas notas de outras cores escritas por outras mãos.
As regras serão igualmente simples.
Colocar-vos-ei perguntas, sobre tudo um pouco.
Aguardarei as vossas respostas, através de anotações as minhas notas.

O grande objectivo é que acabem por revelar o que sentem sobre o que para aqui escrevo, que aprendam e ensinem, e que se divirtam como eu me divirto.

E não tenham medo, se não sabem inventem, partilhem as vossas teorias estrambólicas.
Não agredirei pessoa alguma e exercerei o meu todo-poderoso poder de censura para garantir que ninguém se magoa.
Se ainda assim continuarem reticentes, por serem mais tímidos ou simplesmente medricas, lembrem-se que não precisam de se identificar.

Considerem esse gesto um pequeno tributo à cultura e alma Lusas.
Se, teimosamente, vêm beber a esta fonte palavras que vos fazem sorrir, têm o direito e o dever de contribuir para o meu sorriso e o sorriso dos outros.

01 dezembro 2006

1640...

Bolas! Logo hoje!
Primeiro de Dezembro!
E a senhora da caixa do supermercado a perguntar-me se era espanhol!

Isto não seria insultuoso se ela não estivesse observar o meu BI, nas suas mãos, a fim de confirmar a minha identidade e verificar que o cartão de plástico, que lhe apresentei como forma de pagamento, era mesmo meu.
Sorri, disse-lhe que não, que era Portugais, enquanto pensava para mim mesmo: @#£$§%&?!

(Para que estas notas não sejam censuradas, ou interditas as menores de 18, acho melhor abster-me de reproduzir o chorrilho de palavras e ideias que... enfim... dispersei do meu espírito, afinal educaram-me bem.)

Este episódio não foi uma estreia. Várias foram as vezes, aqui neste país culto e civilizado, em que olharam para a minha fotografia e impressão digital e me fizeram esse género de perguntas parvas.
Fico na dúvida se estão a gozar comigo ou se simplesmente não sabem ler.
É que, não sei se já repararam, todas as indicações no nosso Bilhete de Identidade de Cidadão Nacional estão traduzidas para Francês e Inglês. Bem sei que estão em letrinha pequenina mas...

Isto a terminar um dia cansativo, diria mesmo: arrasador.
Não por haver mais trabalho, ou por este ser mais exigir mais de mim, mas tão-somente por não poder saborear o feriado.

A verdade é que eu gosto de desfrutar todos os feriados.
No entanto, tenho uma sensação, arreigada no meu sangue, que este tem uma significação especial.
Afinal é o dia em que agradecemos e festejamos a existência dos espanhóis, se eles não existissem, para que lhes déssemos na corneta, este dia não seria feriado.

Pela mesma razão, talvez até por outras, proponho que os dias 24 de Junho e 14 de Agosto figurem também nos calendários como feriados nacionais.
Sim 24 de Junho é dia de S. João, mas foi nesse mesmo dia, no ano da Graça de 1128, no berço da Nação, que o Afonso arriou na mãe.
E a 14 de Agosto de 1385, ali nos campos de S. Jorge, ocorreu uma peleja onde uma padeira fez furor.

Fiquei curioso...
Quantos feriados têm os espanhóis à nossa conta?

28 novembro 2006

Língua viva...

Se toda a gente que é gente fala da TLEBS, porque é que eu não posso mandar também umas bocas?
Posta esta questão existencial, fui tentar perceber o que raio é que é a TLEBS.

Foi esta tarefa extenuante, um empreendimento na busca de novo saber, que me manteve afastado deste bloco de notas deste a última anotação.
Ou foi isso ou aquela última nota presa, com aquelas fotografias catitas, merecia mais um tempo de destaque.
Escolham a desculpa que menos vos afecta a forma como apreciam estas doidices que para aqui escrevo.

Após afadigada pesquisa, uma azáfama, cheguei à conclusão que TLEBS, ao contrário do que muitos pensavam, é a sigla da nova abordagem do Ministério da Educação de Portugal ao ensino da nossa Língua Materna... que é do lado da mãe portanto (deve ser uma tia avó que eu desconheço, os ascendentes daquele lado da família são numerosos).

Estava eu a dizer, antes de me distrair com a minha costela alentejana e me perder a contar as tias avós a quem fui obrigado a dar beijinhos nos últimos trinta e cinco anos, que a TLEBS é a nova técnica para o ensino do Português nas escolas.

TLEBS – Terrorismo Linguístico para os Ensinos Básico e Secundário – é a nova estratégia de combate ao analfabetismo dos pirralhos e pirralhas de Portugal.

Para não ferir susceptibilidades, numa altura em que o mundo receia dizer, escrever, ouvir e ler determinadas palavras, o Ministério da Educação, muito acertadamente, alterou a designação oficial da TLEBS para algo mais suave: Terminologia Linguística para os Ensinos Básico Secundário.

Eu nem sabia o suficiente para ter positiva na prova global, no final do secundário, mas mesmo que o meu nível de conhecimento, sobre a língua em que escrevo, fosse o bastante para que percebesse exactamente o que representam alguns dos conceitos que se aprendiam antigamente, não conseguiria nunca atingir o nível exigido para captar alguma coisa do que fala a TLEBS.
Notem que ao antigamente não me estou a referir à antiga Quarta Classe, que eu escrevo com maiúsculas por deferência, mas ao meu tempo de liceu, em que havia uns sujeitos, alguns predicados (uns mais próprios que outros) e muitas hipérboles, parábolas e outros conceitos matemáticos. Esta foi também a altura de alguns neologismos que sobrevivem ainda hoje e dos quais a minha geração, estupidamente, se orgulha.

Mas percebo a estratégia. A ideia luminosa, realmente brilhante, daquele grupo de estudiosos da língua é verdadeiramente astuta.
Eu sei que à primeira vista é difícil ter essa percepção mas, descontada a aversão natural ao desconhecido e à mudança, à medida que vamos compreendendo menos das novas terminologias, nomenclaturas e definições, inscritas no documento que o Ministério pretende impor, a coisa começa a fazer sentido. A sério!
À medida que as explicações, elucidações, explanações e esclarecimentos propostos pelo grupo de trabalho dedicado a ajudar os ignorantes professores, alunos e curiosos que, coitados, não percebem patavina do que eles querem dizer com aquilo, a coisa vai ficando mais clara. Mesmo!

A minha teoria é simples, eles querem acabar com o mal pela raiz.
Ou seja, se um dos problemas identificados é a ignorância, por parte de alguns alunos e professores, das boas regras gramaticais, sintácticas e semânticas, da bela Língua que é o Português, com a introdução desta estratégia de guerrilha, ou terrorismo, o ministério assegura que todos os outros que ainda sabem o que é um substantivo, ou mesmo um advérbio, vão deixar de saber. Nivela-se o sistema.

A outra hipótese, não desprezável, é interpretar estas ideias chanfradas como um processo psicológico.
No fundo eles estão a tentar motivar alunos e professores.
Subtil e sub-repticiamente, ao inventarem estes nomes novos e estas novas ferramentas de dissecação linguística, eles introduzem nas cabecinhas frescas dos alunos a ideia de que: “Porra pá! É muito mais melhor bom aprender a gramática velha! Se os gajos acham que a gente não precebe nada do assunto ainda vão prá frente com a reforma e metem pra lá aquelas patacoadas e então é que ninguém precebe peva!”

Eu, sinceramente, estou mais inclinado para a hipótese de querer nivelar a coisa. Afinal acaba tudo por ser uma questão estatística, se houver boas notas a Inglês e a Francês até afirmamos que nos estamos a integrar na Europa e a mergulhar de cabeça na Globalização.

A árdua pesquisa efectuada demonstrou-me, sem margem para dúvidas, que a TLEBS não se debruça só sobre o estudo da língua. É muito mais abrangente que isso! Fala também sobre a Fauna, a Flora e a Fé(1), classificando, por exemplo, as aranhas como animais inferiores e deixando a nossa fé determinar se as plantas e alguns bichos são animadas ou inanimadas(2).
Infere ainda sobre a biologia e a variação de sexo dos animais... aos humanos não o admite(3).
Pode-se aprender muito lendo apenas o compêndio de perguntas frequentes!(4).

Percebi que a TLEBS serve ainda outro propósito nobre e elevado: ser assunto de chacota em colunas de jornais e revistas, servir de tema a tipos como eu, desinspirados.

Outra característica importante da TLEBS é a demonstração de que é possível escrever e falar em Português sem que os portugueses percebam.

Entretanto, o Terrorismo Linguístico parece que veio para ficar. As editoras de livros escolares, tal como as empresas que fabricam equipamentos de segurança, aumentaram já as linhas de produção para responder ao enorme volume de negócio que estas medidas drásticas anunciam. O clima do medo instala-se.

Resumindo, parece-me a mim que é tudo uma evolução natural. Afinal os romanos também consideravam o Latim uma língua viva.



Notas numeradas:

(1) - Três efes lembram-me qualquer coisa... o primeiro a adivinhar, em quais os efes que me passaram pela cabeça, ganha um doce.

(2) e (3) - Além dos endereços, transcrevo os excertos, em que me baseei para retirar as minhas brilhantes conclusões, antes que eles se apercebam das piadas que escreveram e bloqueiem o acesso.
São apresentados por ordem:

http://www.dgidc.min-edu.pt/TLEBS/CDPerguntasFrequentes/B3-005.htm
“A classificação atribuída às plantas, como aos animais inferiores (ex. aranhas), depende muito do conjunto de crenças individuais e das características culturais de uma sociedade.”

http://www.dgidc.min-edu.pt/TLEBS/CDPerguntasFrequentes/B3-008.htm

“Os nomes epicenos e os sobrecomuns não têm as mesmas propriedades. Embora os dois tipos refiram nomes de entidades animadas, passíveis de distinção de sexo, os epicenos referem animais e admitem variação de género realizada por composição (cf. cobra-macho, cobra-fêmea) e os sobrecomuns referem entidades humanas e não admitem qualquer tipo de variação de género.”

(4) - O endereço para as perguntas frequentes:
http://www.dgidc.min-edu.pt/TLEBS/CDPerguntasFrequentes/001.htm

Onde se encontram algumas verdadeiras pérolas, por oposição às pérolas artificiais ou criadas em viveiros.
Refiro que nem tudo é mau... eles também propõem simplificações a coisas complicadas, veja-se o exemplo em:
http://www.dgidc.min-edu.pt/TLEBS/CDPerguntasFrequentes/B4-002.htm


Para quem tiver mesmo paciência, e para parecer que fiz uma vasta pesquisa:

http://www.dgidc.min-edu.pt/TLEBS/terminologia.asp


http://www.dgidc.min-edu.pt/TLEBS/GramaTICa/gramatica.htm

http://www.dgidc.min-edu.pt/TLEBS/CDMateriaisDidacticos/tlebs_mat_exp.htm

17 novembro 2006

Rituais...

Hayat Uma dançarina semi-profissional procurava para o seu grupo um guarda-costas, para conseguir manter na linha alguns homens e provavelmente também algumas mulheres, durante e depois das suas actuações.
Este é um grupo composto, acho eu, exclusivamente por elementos femininos, que se dedica a divulgar as danças orientais e outros estilos exóticos semelhantes.

Esta necessidade de protecção externa é, quanto a mim, paradoxal.
Não é a dança uma forma explícita de provocação? Uma evolução natural e um aperfeiçoamento de rituais de acasalamento que estão encrostados no nosso subconsciente animal?

Ora, as meninas com umbigos à mostra, que abanam sensualmente os rabinhos e outras partes protuberantes dos seus corpos, ao som de músicas hipnóticas, não podem esperar que todos os machos que assistem ao espectáculo se comportem devidamente.
Claro que uns resistem melhor que outros aos instintos primários, mas qual seria o objectivo de quem inventou essas danças?

Agora chamam a este tipo de demonstrações da natureza – manifestações culturais. Neste domínio, como noutros, a humanidade tenta disfarçar as suas origens e contrariar os postulados de Darwin mas, como se vê pelas reacções das plateias a estes espectáculos, não se podem negar os factos nem repudiar a natureza.Hayat

À excepção da dança da chuva, criada com propósitos bem definidos que nada têm a haver com o acasalamento, e do folclore que, salvo raras e honrosas excepções, é composto por lindas mulheres de barba rija e bigode que não precisam de guarda-costas, todas as outras danças são provocatórias!

Embora os homens prefiram provocar as mulheres com outros tipos de actividades, é certo que não são só elas que provocam com a dança.
Eu não compreendo muito bem o fenómeno, mas uma grande maioria das mulheres trepa às paredes ao ver o Joaquim a bater com os saltos altos no chão e a fazer salamaleques com as mãos.

Por razões óbvias eu não escolheria o flamenco. Escolheria uma daquelas danças sul americanas em que se pode dar um uso mais sensato às mãos – o tango.

Não sei qual a opinião dos estudiosos, historiadores e outros que tais, sobre as origens dessas danças. Tenho a sensação de que os primeiros homens a dançá-las, fizeram-no com o instinto protector mais primário – proteger o direito à procriação.
É fácil imaginar uma bela mulher, comprometida, dançando com uma racha no vestido ao som da concertina, ser alvo da cobiça de outros homens que não o seu.
É também possível imaginar o homem a tentar proteger a sua conquista, chegando-se à frente e acompanhando a dança, mostrando de forma clara à concorrência que é o eleito.

A dançarina, que referi ao início, afirma que o tango é sexual e por isso muito violento.
Esta consideração dá azo a várias interpretações e pode ser, só por si, tema para muitas longas conversas.
Para concordar parcialmente com esta teoria, posso admitir, que o tango é de uma grande violência física.
Mas considero mais grave a violência psicológica, crua e sem pudor, que as senhoras das danças orientais praticam sobre a assistência.

Qualquer homem compreende que um par que dança um tango forma um todo completo e fechado. Mas assistir a um conjunto de corpos femininos ondulantes, sem lhes poder tocar, pode ser demasiado duro.
Hayat

Um homem, ou uma mulher, não gosta de tango normalmente por ciúmes.
Um homem, mesmo que dê outras desculpas plausíveis, não gosta de danças orientais porque não pode fazer mais do que ver e imaginar.


 
Anotem que eu prometi publicidade:
http://www.dilshadance.pt/

E as meninas estão disponíveis para apresentar o seu trabalho em animações e espectáculos.
O grupo está descrito aqui:
http://www.dilshadance.pt/judite.php?a=5

16 novembro 2006

Água-pé...

Esta história da globalização afinal até nem é difícil de visualizar.
Eu até já nem era contra, pois creio que a globalização abre uma infinidade de oportunidades e permite-nos sonhar com a conquista do mundo, como já não sonhávamos desde os descobrimentos.
Aliás os portugueses são dos primeiros responsáveis pela globalização. Depois de vários impérios surgirem e cairem nesta região restrita que vai da Pérsia à Mauritânia, os oceanos que separavam o mundo acabaram por o unir.

Esperem, este foi um raciocínio demasiado rápido, estou um pouco perdido... deixem-me descançar um bocadinho e pensar no que é que eu queria dizer...

Ah! Já sei!

Quando se pensa na globalização, esta está, normalmente, relacionada com a economia.
O aquecimento global também é um efeito globalizado mas ainda não está bem absorvido globalmente.

Mas a globalização é mais que isso... é a convergência de costumes e cultura.

Discute-se agora por aí o futuro da Europa e o seu papel no mundo.
Devido ao seu peso económico e sobretudo à sua história, a Europa, como um todo, como União, é ainda respeitada. Mas cada país europeu tem o seu passado e orgulho histórico e não é capaz de assumir compromissos que possam abalar as suas fundações e muito menos as suas crenças e costumes.
Isto é uma falácia, uma Europa unida não implica que os países que a formam abdiquem das suas identidades, mas exige realmente uma maior abertura cultural.

Devo estar mesmo bêbado para me por a divagar sobre isto a estas horas.

A justificação é simples, descobri a prova final que os povos europeus têm as mesmas raízes, sejam elas latinas ou góticas. A distância temporal a que nos encontramos dessas origens permitiu à Europa criar uma mistura fina de cultura, como na criação de um bom vinho onde as castas são seleccionadas e misturadas nas proporções adequadas.

Pois é exactamente o vinho, ou a tradição vinícola, que me faz divagar sobre este assunto.

Hoje, a terceira quinta-feira de Novembro, é o dia da chegada do Beaujolais Nouveau, um vinho novo, pisado este ano, numa região ao redor de Lyon, na França.
É um acontecimento nacional, se não mesmo mundial, quando segundos depois da meia-noite, milhares de garrafas deste vinho começam a ser distribuidas por toda a França e são exportadas para os lugares mais recônditos do mundo.

Este vinho é considerado, mesmo pelos nativos, como horrível, mas o ritual que se faz ao seu redor leva a que o seu consumo seja obrigatório.
Come-se e bebe-se entre amigos... Onde é que já vi isto?

Ora, isso mesmo - água-pé - a primeira abertura dos barris com a colheita do ano, aquela mixórdia fraquita que é consumida a granel acompanhada de castanhas.
O mesmo sabor a uvas mal fermentadas. A mesma festa em volta dos enchidos e outros sabores activos para disfarçar o gosto azedo do líquido grená.

Não é verdadeiramente um magusto de S. Martinho, não há tanta castanha nem jeropiga, mas há o mesmo espírito.

As pequenas diferenças que nos separam são ultrapassadas pelas semelhanças que nos unem. Afinal somos europeus, integramos uma comunidade maior e representamos um enorme legado cultural no mundo, numa sociedade globalizada.
É uma responsabilidade, não necessariamente um fardo.

...

Não sei se escrevi alguma coisa de jeito... não estou em condições de rever o texto.
Não provei o Boujoulê Nuvou do ano passado, mas o desde ano até nem é mau.
Os indígenas que me acompanharam nesta expedição cultural referem, após esvazearmos umas garrafitas, que já beberam muito pior, que este até se assemelha a vinho.
Racho reforçado que termina com aguardente destilada do mosto...
hum... falta a integração de um marco incontornável da cultura espanhola - la siesta.

E2-E4...

E o primeiro soldado avança pelo campo de batalha contra o inimigo!

A surpresa no acampamento hostil dissipa-se depressa, as hostes agitam-se e pegam nas armas. Um soldado dá dois passos à frente empunhando a espada, incitando os companheiros.

Mais homens a pé se lançam pelo campo, de um lado e doutro, sob as vozes de comando dos generais, orientados pelos seus estrategas.

Uns e outros aceleram o passo ao aproximarem-se. O choque é violento, é brutal!
Digladiam-se na planície e dão a vida, lutando por causas que não compreendem mas que tomam como suas.

A artilharia está demasiado distante, ainda não se faz ouvir.

Avança a cavalaria, fazendo tremer a terra, marcando os cascos no solo, convergindo dos flancos para o centro, onde se abriram as primeiras brechas nas linhas de infantaria.

Na retaguarda procedem-se a ajustes de posicionamento, protege-se a corte.
E os canhões ecoam com estrondo!
As paliçadas sofrem os primeiros rombos.
Na planície o sangue mistura-se com a lama.
Os uniformes já mal se distinguem.
Os estandartes que ondulavam, orgulhosos nas pontas das lanças, e se agitavam em sinal de ameaça, arrastam-se pelo chão debaixo dos pés dos que combatem e dos corpos dos que tombam.

E um dos lados recua, sofreu já demasiadas baixas, tenta proteger o seu último reduto com as altas patentes que sobram.
E o outro lado avança, a sua estratégia está a dar os seus frutos e as elites querem colhê-los pessoalmente.

Num último acto de coragem um sacrifício é feito, mas logra apenas atrasar um pouco a derrota eminente.
O cerco aperta-se, o último golpe é dado.
Soam as trombetas e os clarins! Grita-se vitória! Chora-se a derrota!
E a brisa transporta o cheiro da batalha anunciando-a ao mundo.

As origens desta batalha confundem-se com as origens do tempo mas continua a ser travada com a mesma ferocidade.

Perdi o jogo, mas não guardo mágoa nem rancor pois foi bem jogado.
Jogo que foi jogado sem peças, num exercício para mim inédito.
Auxiliado apenas por uma cábula, onde anotava as jogadas que eram debitadas ao estilo da batalha naval, e por um pequeno desenho de uma matriz oito por oito, bati-me como pude com um adversário superior.

Gostei da experiência, tenho de agradecer ao meu oponente o desafio e pedir que me conceda a possibilidade de desforra.

14 novembro 2006

Pontes...

Num pavilhão que me fez lembrar o saudoso mas já arrasado Dramático, estavam montados um palco e uma enorme parafernália de luz e som, enquadrados por cortinas negras, que prometiam encandear e debitar muitos decibéis.

Com cervejas nas mãos tagarela-se alegremente entre amigos, enleados em novelos de fumo hipnotizante, enquanto se aguarda pela subida ao palco de uma banda que foi cabeça de cartaz no Japão, no Verão de 1972.

O chão e o peito vibram com as frequências do baixo e os efeitos do órgão, os pés batem o ritmo do bombo, a cabeça agita-se com o solo de guitarra, braços erguidos, olhos semi-cerrados e os lábios a declamar palavras mudas.
A música estridente, com a batida bem forte, faz saltar... gritam-se as palavras que sabemos num inglês que não se ouve... fazemos parte do espectáculo e sentimo-nos bem!

Alguém enrola um charro, alguém acende um cigarro, alguém se embebeda, alguém grita, alguém ri, alguém beija... rituais que se repetiram no passado e se repetem no presente.

Tiro-lhes o chapéu e faço-lhes uma vénia. Quase com idade para serem meus avós, os Deep Purple e outros que como eles passeiam a sua música e virtuosismo pelo mundo durante anos e décadas, são ainda capazes de construir pontes entre gerações dissonantes e mostrar-nos que há muito para aprender de quem nos tem para ensinar.
Já não se faz música assim... mas ainda se ouve música assim.


Notas:
Este concerto dos Deep Purple foi hoje, no Palais Nikaia em Nice, França. Talvez não como foram os concertos de Osaka e Tóquio em 1972, que deram origem à gravação ao vivo mais vendida de sempre, mas com brilho.

DramáticoO antigo pavilhão do Grupo Dramático e Sportivo de Cascais acolheu vários concertos da pesada e muitos músicos e grupos emblemáticos, a lista seria demasiado grande para aqui ser esmiuçada.

Já me perguntei várias vezes: Qual o grupo ou artista que, chegado há pouco ao topo, continuará a juntar multidões daqui a 30 anos? Afinal se a geração cota sabia e sabe o que é música... podiam tentar evitar que os netinhos ouvissem coisas menos próprias aos ouvidos, não censurando mas mostrando o que é bom.
Entusiasmo não falta, tal como o Calvin a ouvir os canhões da 1812, haverá por aí muito miúdo a querer ouvir música clássica... basta tirarem-na do baú e limparem o pó, que mesmo empenado o vinil ainda toca.
Aumentem bastante o vOLUME! ELES VÃO CURTIR!!!

12 novembro 2006

Língua morta...

Ontem, sentia a minha garganta um pouco sensível ao engolir e a minha testa latejava com uma pequena dor de cabeça, resolvi fazer um chá.

Aqueço água numa caneca no micro-ondas e pespego-lhe uma saqueta de chá preto. Aguardo uns instantes, enquanto a água ganha o aspecto escuro de um chá forte. Adiciono não uma mas várias colheres de açúcar.
(Antes que pensem alguma coisa exagerada sobre o meu gosto pelo doce, asseguro-vos que não eram colheres de sopa mas sim colheres de chá, não estavam cheias e não juntei mais de cinco.)

Provo a infusão com a colher, está ao meu gosto, só talvez ligeiramente doce demais, pego na caneca e levo-a boca. Um golo basta para queimar a língua ao ponto de a tornar dormente.
Sabem como é? As papilas gustativas deixam de sentir seja o que for e o céu-da-boca nem parece o mesmo.
É irritante! A sensação dura umas horas, por vezes mais do que um dia.
Este enervante episódio é, de alguma forma, recorrente, volta que não volta pumba, se não é com o chá é com o café ou com a primeira garfada do arroz de polvo malandrinho.

Com a língua entorpecida e insensível aos sabores, cheguei à conclusão que o paladar é supérfluo.
Não preciso do paladar para trabalhar nem para comer, a fome continua a mostrar os seus sinais.
Pensem no que poderiam fazer sem o paladar. Tudo! Até chefes podem trabalhar sem paladar, aquilo é só seguir as receitas.
E se não tivéssemos o paladar tão desenvolvido, espécies como o esturjão ou o bacalhau não estariam neste momento em perigo. E provavelmente as taxas de obesidade seriam um pouco inferiores.

O paladar até pode ter servido, em tempos já longínquos, o seu propósito – evitar que os homens e as mulheres das cavernas ingerissem alimentos venenosos ajudando à triagem do que é bom e mau para ser comido. Mas hoje serve simplesmente o prazer e a gula.

Mais, o paladar é um sentido parasita, necessita para funcionar em pleno de pelo menos mais um dos outros quatro sentidos: o cheiro.
Sem cheiro as nossas papilas são apenas capazes de distinguir o salgado, o doce, o picante e o amargo.
A comida só faz jus a toda a sua riqueza e multiplicidade de sabores se o nariz estiver a funcionar em pleno. E há quem diga que os olhos também comem, não os meus porque há belos sabores escondidos em pitéus com mau aspecto.

Notem que eu não me queixo poder saborear, pelo contrário, aprecio bastante diversas iguarias e confesso a minha dependência crónica de algumas delas.
A constatação de que o paladar não é essencial à vida não passa disso mesmo, uma simples constatação. Não penso organizar nenhum movimento de abolição da língua, ou a favor de modificações genéticas com vista à eliminação das papilas gustativas.

08 novembro 2006

Metades...

Pelas minhas contas, feitas assim à pressa e a contar pelos dedos, quarenta e nove cêntimos é menos de metade de um euro e quinze cêntimos. Talvez não seja muito menos mas acho que é menos.
Um respeitado jornal, à venda nas bancas portuguesas e disponível na rede global, desmente-me em público, esclarecendo ainda os seus leitores que além de 49 cêntimos serem claramente mais de metade de 1 euro e 15 cêntimos, 47 mil euros representam mais de metade de 110 mil.

No contexto a notícia peca por defeito, ou seja, chegamos à conclusão que se a coisa for para a frente vamos pagar menos do que mais de metade do preço médio dessa coisa. Com este efeito surpresa a jornalista dá algum alento aos portugueses, que sabem que o Orçamento de Estado, agora em discussão, conterá erros de interpretação numérica semelhantes aos que eu cometi. Será por estes números terem dois ou mais algarismos?

Mas enfim, isto desanima. Tenho a sensação que os jornalistas que andam pelas redacções dos jornais não fizeram sequer a quarta classe. Se a fizeram foi a cabular.
A língua portuguesa é enxovalhada e a matemática é engendrada à martelada.

Mais haveria para dizer sobre os conteúdos noticiosos dos jornalecos que por ai circulam. Mas para finalizar este assunto e porque não quero ser considerado pela Amnistia Internacional como desrespeitador dos direitos dos animais, pois já é não é primeira vez que casco nos jornalistas, afirmo apenas que, com a influência que a comunicação social possui nos tempos que correm, percebe-se que os putos não saibam fazer contas, interpretar números ou escrever português correctamente.

Estes assuntos provocam-me azia.
Desculpem o incómodo mas esta notícia foi apenas o pretexto que precisava para destilar algum azedume.

A notícia que referi encontram-na aqui:
http://jn.sapo.pt/2006/11/08/primeiro_plano/preco_roaming_pode_cair_para_mais_me.html

07 novembro 2006

Aterragem...

Após uma pequena pausa, de um pequeno silêncio, em que as notas esvoaçaram em busca de inspiração e escaparam da gaiola que é o meu crânio, sem que tentasse prendê-las, volto a tentar laçá-las.
Mesmo voltando à carga com aquela nostalgia própria do fim das coisas, em particular do fim das férias, espero que não me tolde o engenho nem a arte, que são já ínfimos por si sós.

Li algures, ou terei apenas escutado uma qualquer conversa transviada, que a entrada em Lisboa é das mais bonitas e emocionantes do mundo. Isto referia-se ao tempo das naus, quando passavam a barra do Tejo em busca de porto seguro, com os porões atafulhados de especiarias e sedas, onde antes seguiam pólvora e munição para canhão.

Descontando a óbvia parcialidade deste marinheiro de água doce e porque nem sequer sou alfacinha, afirmo, sem desprimor de outras belas terras do cantinho solarengo1 que ocupa o uns poucos quilómetros quadrados no sudoeste da vasta Europa, que as entradas de Lisboa são um encanto, um feitiço.

Claro que parados no trânsito num dia de chuva, encerrados num comboio a parar em todas, ou entalados num autocarro abafado e cheio de odores estranhos, o feitiço parece um bruxedo e o encanto desvanece-se num desespero. Entrar em Lisboa todos os dias também nos torna imunes à beleza das coisas, satura a nossa retina.

Há, naturalmente, algumas entradas de Lisboa que permitem encarar a cidade com melhor disposição que outras e a interpretação da sua beleza depende do contexto e de muitos conceitos subjectivos, mas permitam-me os devaneios que se seguem.

Pelo viaduto do Engenheiro...

Onze da noite perto da meia-noite, pouco trânsito a descer a auto-estrada, pelo meio da floresta, em direcção a Lisboa. De quatro faixas passamos a duas e, pouco depois, o ressalto duma junta de dilatação assinala-nos a entrada no viaduto Duarte Pacheco. A desaceleração, provocada pelo espanto da vista desafogada sobre o vale, coloca-nos abaixo do limiar do excesso de velocidade. Olhamos à direita e notamos o arco do tabuleiro da 25 de Abril e a curva do viaduto de Alcântara. Olhamos à esquerda e as pedras, as brancas e as sujas, do aqueduto são realçadas por uma iluminação bem colocada. No alto do monte seguinte três torres de vidro sublinham a modernidade da cidade. Subimos, a esta hora as obras eternas não incomodam o tráfego, e descemos para o coração da cidade. E dali vamos para onde quisermos.

De Sul para Norte...

Já passa da hora de almoço, o abrandar do autocarro e a fome, despertam-me aos poucos de um sono solto. O pára arranca em direcção à portagem é desconfortável. Está calor. Procuro ajustar o fluxo de ar sobre o meu assento, desisto. Volto a fechar os olhos. Sinto o autocarro arrancar novamente e desta vez ganha um pouco mais de velocidade. Um zumbido surdo provoca uma vibração que me sobressalta, desvio a cortina e o sol cega-me. Deixo a minha vista adaptar-se à luz exterior percorrendo a paisagem. Estamos altos sobre o rio. Mesmo com a bruma provocada pelo calor vejo ao longe a Serra de Sintra, parece pequena, desproporcional. Olho para mais perto, para os recortes da orla costeira. Oeiras, Caxias, Algés, Belém. A torre do porto é um recorte inclinado. A torre de Belém custa a ver pelo seu tom claro. O padrão está mais perto. Os Jerónimos e o Centro Cultural formam um conjunto estranho. A antiga fábrica de electricidade e a cordoaria são os elementos de destaque quando espreitamos mais para baixo, já depois do segundo pilar. Olho pela janela do vizinho, à direita, e a basílica surge de relance. Ciprestes altos crescem verdes, escuros, por entre fileiras de pedra clara. Volto-me para o meu lado ainda a tempo de ver o palácio da Ajuda, antes do autocarro se desviar para apanhar a avenida Calouste Gulbenkian. O aqueduto, onde as águas correram livres, ergue-se por cima das nossas cabeças, num grande arco ogival, feito à medida da estrada. Uma mesquita e uma praça com calhaus numerados no meio de um relvado. Mais uns semáforos, uma estátua do Duque da Terceira, chegada ao destino: terminal rodoviário na Casal Ribeiro2.

De Norte para Sul...

Final de tarde, quase lusco-fusco, o sistema de som do alfa avisa que a próxima estação é a gare do Oriente e o comboio começa a abrandar. Viajando de costas voltadas para a frente, espreito pela janela e vejo uns edifícios novos, com uma arquitectura recente. Umas altas palmeiras brancas, troncos de metal e folhas de vidro, cobrem as plataformas da estação onde o comboio parou. Está de chuva, o espaço não parece abrigado, mas é consistente com o que o rodeia e agradável ao olhar. O comboio apita e segue a sua marcha. Agora mais devagar, outros edifícios novos e outras estruturas metálicas enquadram o panorama. Aqui e ali cores garridas e desenhos abstractos. Novo aviso: Santa Apolónia. Desembarque. O antigo edifício da estação terminal contrasta com a novidade da estação anterior. Este podia ser um cenário para um filme de mistérios ou de amores.
Saída para um largo, mastros de um navio atracado e colunas de um museu... Lisboa.

Subindo o rio...

Passa pouco das sete e meia da manhã, os primeiros raios de um sol ainda submerso coram o céu à nossa frente. Alinhamos com o sinal vermelho da Gibalta e o verde do Bugio, Espichel e São Julião continuam com as suas intermitências mas já ignoramos as suas luzes. Olho para lá da proa e avisto os dois pilares da ponde suspensa, as suas luzes ainda brilham, brancas, como estrelas, dependuradas nos seus cabos de aço. Os reflexos laranja intensificam-se. A bombordo uma torre com um baluarte apetrechado para a guerra, um padrão, um mosteiro, uma capela no alto da colina. Dou conta que a iluminação pública cedeu o seu lugar à luz amarelada do sol que desponta no horizonte, sob o tabuleiro da ponte, encandeando a vista por breves momentos. O traço de colinas surge nítido, contrastando com o clarear do céu. É Novembro, a frescura matinal agride a minha cara, mas não me consegue despertar do sonho. As alucinações sucedem-se, monumentos com cúpulas brancas, como que nos transportam para outros tempos, castelo sobranceiro que nos impõe o respeito da idade e, passado um estreito, por baixo da grande ponte metálica, estamos de novo no mar. Acolhidos de braços abertos por Cristo, chegámos a Lisboa!


Lisboa, cujas colinas ondulam altivas na orla de um rio e se espraiam para o mar da palha, tem um exotismo próprio que deixa a sua marca no incauto visitante.


Anotações:
1 Com as cargas de água que se abatem sem piedade por todo o país, seriam levados a criticar a escolha da palavra "solarengo", sorriam apenas e lembrem-se que se amanhã chove noutro dia há-de fazer sol.
2 O terminal da Rodoviária Nacional já não é aqui. Aliás, a Rodoviária Nacional já não existe! Da cave da Casal Ribeiro, a Rede de Expressos saiu para, temporária e ilegalmente, ocupar um espaço no Arco do Cego, de onde saltou para Sete Rios, em frente ao Jardim Zoológico.



Nota final:
Faltou escrever: Pelo ar...
Essa tem várias aproximações. Talvez aterre noutro dia...

26 outubro 2006

Toca e foge...

Isto até é divertido! Tem dado algum gozo escrever para aqui umas patacoadas.
Mais que um exercício de português, acaba por ser um exercício de imaginação. Dá alguma luta!

Um tema até pode surgir naturalmente mas o seu desenvolvimento requer um pouco mais de esforço mental. Além do mais, depende em muito do estado de espírito, da disposição com que é abordado. A abstracção é possível, focando a concentração numa escrita imparcial, mas isto não é jornalismo.
A fórmula do Onde? Quem? Quando? Como? aqui não resulta, mesmo que acompanhada do Porquê?.

Não deixa de ser interessante, mesmo sem eco, sentir que há leitores. Exige um pouco mais de responsabilidade. Não que eu tenha vergonha alguma, mas o anonimato com que aqui redijo as minhas notas, disfarçado com um pseudónimo de desenho animado, só é válido para quem não me conhece. O anonimato é relativo.

Dou-vos um exemplo:
Houve um Rómulo que também era Vasco da Gama e tinha um apelido pelo qual também respondo. Esse Senhor escreveu, descreveu, historiou e divulgou a ciência contribuindo para o desenvolvimento do ensino em Portugal, sendo respeitado e apreciado nessa sua actividade.
Com outro nome deleitou uma nação com poemas que provaram que a língua está viva. Arrebatou deliciosamente a alma lusa... fê-la sonhar... "que o sonho comanda a vida."
Para muitos ele foi, é e será anónimo... com ou sem pseudónimo.

Os pseudónimos e heterónimos são disfarces e subterfúgios.
O anonimato nomeado é a revelação de uma vida ou actividade paralela, talvez complementar. Ou a constatação pública de uma esquizofrenia irreversível.
Mas esse disfarce permite, tal como aos super-heróis dos desenhos aos quadradinhos, um sentimento de integridade (e impunidade) quando se mistura com a plebe. E possibilita a distância necessária para que se possam avaliar os estragos dos desastres que se escrevem.

Aqui, disfarçado sob as barbas ruivas do meu falhado herói do oeste, os meus dedos tecem estes textos, neste tear de letras em que se passeiam com familiaridade, em experiências surdas de um espírito que se diverte e entretém com pouco. Como uma criança que foge pela rua depois de tocar à campainha de uma porta desconhecida.


Desta vez não vos faço a papinha toda. Mas dou-vos um empurrão, utilizem o vosso motor de busca preferido na Internet, coloquem no campo de pesquisa a frase seguinte:
"O comum das pessoas pensa que as coisas têm de ter um limite: o limite é onde termina o que conhecemos."
Descobrirão um nome que, se para vocês é anónimo, poderá e deverá deixar de o ser.

25 outubro 2006

Porra...

Passei rapidamente em revista o pouco que tenho escrito e chego à conclusão que não percebo como é que conseguem ler estas coisas.
É só nostalgia, sentimentalismos e mariquices do mesmo género.

Que raio de imagem é que eu estou a passar?
O meu ego desdenha o que escrevi e o pouco orgulho consciente que me resta obriga-me a rever a minha atitude, a minha abordagem a estas notas.

A minha intenção era juntar pensamentos soltos... se continuarem a sair só pantominices deste género o dever impõe-me que vos poupe o sofrimento de semelhantes leituras.
Se é isto que os meus miolos conseguem produzir, quando estão ainda na flor da idade, porra! Quando vier o Parkinson e o Alzheimer ainda será pior!

Já viram isto: "flor da idade" – estas expressões adamadas são completamente desnecessárias!

Realmente, se há coisas que um gajo não está preparado para aceitar, uma delas será perceber que anda meio aluado com algumas ideias amaricadas. Não digo "paneleirices" porque ainda tenho um mínimo de amor-próprio!

Afinal, homem que é homem só chora quando nasce! Para anunciar bem alto ao mundo que chegou e exigir de mamar à primeira mulher que lhe aparecer à frente!
Qualquer fita que faça daí em diante terá de ser muito bem justificada. E coisas destas, que levam à nostalgia, ao sentimentalismo e fatalmente à efeminização não podem ser admitidas!

Tenho de rever seriamente o que se passa comigo e tomar algumas resoluções firmes!


Hum...
Hoje fico-me por aqui... vou meditar no assunto. Isto têm de manter um mínimo de decoro e ao aperceber-me desta questão melindrosa o meu subconsciente reprimido ainda esbanja por aqui algumas palavras de calão português, do mais baixo nível.

24 outubro 2006

Pão fresco...

Hoje parei numa padaria, ao final do dia, mesmo antes de chegar a casa, para adquirir uma simples baguette.
Não tenho por hábito fazê-lo, nunca consigo dar conta de uma baguette inteira sozinho e mesmo não sabendo todos os ingredientes da massa, asseguro-vos que no dia seguinte estes pequenos cacetes têm consistência bastante para se jogar um dos desportos predilectos daquele povo que habita do outro lado do Atlântico.
Mas hoje apeteceu-me! E fui agradavelmente surpreendido.

Peguei no saco de papel, estreito, feito à medida do conteúdo e senti, na minha mão, o calor daquela massa acabadinha de cozer. Dois passos fora da porta do estabelecimento, já tinha um pedaço na boca. Nesse momento apercebi-me que, por alguns cêntimos, tinha adquirido muito mais do que o sustento necessário ao meu estômago.

Aquela baguette francesa, mesmo que mal cozida e quase sem sal, trouxe-me à memória sabores esquecidos e aventuras passadas.

Mesmo sem manteiga, cheguei a casa, cinco minutos depois, com menos de metade daquele pão dentro do saco de papel, o resto foi devorado sem esforço enquanto me acomodava.

Não sendo nenhum casqueiro saloio, nem panito alentejano, não sendo de milho, nem sequer de centeio, o calor que me transmitiu às mãos e à boca, nesta noite fresca de Outono, atenuou os seus defeitos e feitios e, digo-vos, soube-me bem!

A cada dentada imaginava-me, como que por magia, noutros locais, noutros momentos.

Estive em Évora Monte, a comer pão seco, às poucas horas da madrugada, num dia de Verão.
Passei pela Ericeira, onde fiquei dez minutos, sentado num banco de jardim à espera da primeira fornada.
Esperei na fila, abrigado da chuva na ombreira da porta de uma casa, no Pobral, que um pão bem cozido, embrulhado em papel pardo, estalasse à pressão dos meus dedos.
Entrei numa casa, com uma chaminé maior que as outras, na Zambujeira e saí com água na boca e com um pão de quilo num saco.
Encomendei ao padeiro, à beira da estrada, mais uma broa, para juntar às vinte carcaças e aos dois centeios...

Em duas ou três dentadas, num pedaço de pão francês mal amassado, passeei no tempo e no espaço, num êxtase singelo e sentido.


Anotações:

Peço desculpa a quem ler isto antes do pequeno-almoço.

Porque raio é que se diz pão fresco? Quando está bem fresco costuma escaldar!

Não resisti a uma passeata no Google Earth, para quem quiser espreitar, ou até comprar pão, ofereço-vos as coordenadas das padarias que falei em cima, descarreguem este ficheiro: Padarias.kmz
Notas a esta nota: a da Aldeia das Dez é donde vem o padeiro que apanho à beira de uma estrada naquelas serras; a de Évora Monte nem sei sequer se ainda existe mas os Alentejanos gostam de pão.

23 outubro 2006

Aprendizagem...

É interessante verificar como cada ser humano encara uma viagem.
Independentemente do motivo porque se viaja, existe um padrão de comportamento que cada um adopta e adapta, que influencia a sua percepção do que o rodeia e o seu relacionamento com o que o envolve.

Se a minha área profissional fosse a psicologia, este seria certamente um tema que me serviria para uma longa carreira académica. Para um mero observador, desconhecedor dos meandros da psique humana, é ainda assim, uma actividade reveladora e instrutiva – levantar a cabeça e olhar em volta.

Os tiques e jeitos com que as pessoas se sentam no comboio, no metro ou no avião, se ajeitam nas filas para embarcar, ou comprar um bilhete, revelam toda uma panóplia de pequenos segredos pessoais e do povo a que pertencem.

Com algum treino de ouvido, não é preciso muito, é possível, por exemplo, identificar a origem de quem pede um copo de leite no café, ou pergunta se o autocarro vai para um qualquer ponto no mapa que tem nas mãos.
Uma série televisiva da BBC, muito conhecida e apreciada, utilizou com mestria as diferentes características do sotaque da língua inglesa, falada pelos povos europeus, para identificar a origem das personagens.
Sem sair do pequeno rectângulo no sudoeste da península ibérica, é perfeitamente possível identificar a região de origem de alguém através, não só do sotaque mas também, das palavras e expressões utilizadas.

O passo seguinte, intuitivo para qualquer aprendiz de detective, é verificar pelos sinais vitais do viajante sob observação, os seus níveis de ansiedade, devidos à natureza da viagem, ao meio de transporte que se prepara para utilizar ou onde já entrou, ou à maior ou menor dificuldade que tem em comunicar.

Mas estes são meramente exercícios de observação, outros desafios se colocam a um intrépido viajante, interessado em ocupar o seu tempo de forma mais produtiva.

Nunca viram aquelas caricaturas do turista clássico? Que chegam a uma qualquer ruína, com o mapa desdobrável aberto e a brochura com a descrição do interesse do local? E que, lá chegados, disparam duas ou três vezes o diafragma da máquina fotográfica (agora com o advento das engenhocas digitais, disparam vinte e três vezes, de vários ângulos) e pisgam-se apontando para o ponto do mapa seguinte? Parecem os putos pequenos a unir os pontos numerados de um desenho.
Correm de um lado para o outro e o que aprendem? Nada... ficaram a saber tanto quanto está descrito no guia, se é que o leram, provavelmente só viram os bonecos. Mas vão para casa todos contentes e dizem orgulhosos aos amigos:
"– Sabem onde estivemos? Em Conimbriga... olhem as fotografias, aquilo tem para lá uma quantidade enorme de calhaus, houve um povo primitivo, que nem sequer tinha electricidade, que para lá viveu. Muito bonito, vale a pena! Até porque nem sequer se percebe muito bem como é que eles se safavam, naquele ermo, sem telefone."

Também há o viajante com objectivos definidos e que não anda por aí a vaguear pelas ruas de uma qualquer cidade em ruínas, nem pelas ruas de qualquer cidade. Vai para praticar um desporto específico, ou fazer um retiro espiritual, por exemplo. O mais comum, não sei bem porquê, é ir simplesmente à procura de praia e sol... sem mais nada.

Há, portanto, várias formas de classificar um viajante, desde porque é que se mete nisso até às atitudes e posturas que assume.

(Com esta conversa toda veio-me à cabeça uma história... lá vou eu divagar.)

Um colega meu conta, sempre com o seu ar revoltado, a sua aventura na estação de autocarros expresso (ou seria do comboio? esta minha cabeça já não é o que era mas para o caso também não interessa).
Chegou ele, a suar, à fila da bilheteira, colocando-se na terceira posição, uns bons dez minutos antes da hora marcada, para a partida do último autocarro (ou comboio), numa sexta-feira à tarde, depois de ter saído das aulas e ter corrido que nem um desalmado. Cinco minutos depois continuava exactamente no mesmo sítio e começou a preocupar-se com o horário. Olhou para o início da fila onde estava uma senhora, já com uma certa idade, que, pela descrição, não teria o dia muito preenchido, a pedir informações sobre os horários, preços e itinerários do autocarro (ou comboio) que pretendia apanhar na terça-feira seguinte.
Já nem me lembro se ele chegou a conseguir embarcar, a questão nem é essa, a verdade é que a lei de Murphy impõe que a senhora, que não tem nada que fazer durante todo o dia todo, tenha de ir para a única bilheteira aberta, a uma sexta-feira, a hora de ponta, pedir informações sobre uma viagem de alguns quilómetros de autocarro (ou comboio), que terá de fazer, eventualmente, quatro dias depois.

Esta senhora, que provavelmente ficou muito chocada quando o meu colega lhe pediu (talvez não delicadamente) que fosse à sua vida, enquadra-se no tipo de viajantes de nervoso miudinho género: saia-da-frente-que-estou-atrasado-o-meu-comboio-é-daqui-a-três-dias.

(Não me perguntem o que é que este episódio fatídico tem que ver com o resto do texto... lembrei-me apenas que podia ser interessante... e farto-me de rir cada vez que imagino a cena.)

Onde é que eu ia? Ah! Já sei... estava quase a acabar.

Mas afinal o que é viajar? A resposta a esta pergunta deverá ser pessoal e intransmissível. E a definição encontrada deverá corresponder à personalidade de cada um e à forma como se encara o mundo.

Para mim, viajar é uma partilha, é, de certa forma, abrir-me ao destino escolhido ou imposto, haverá sempre momentos inesquecíveis, novos costumes e saberes que se adquirem.
Estou certo que, se muitos mais pensassem assim, estando o mundo cada vez mais perto, teríamos uma muito melhor relação entre povos e civilizações.

Nota extra:
Reparem que eu disse: adquirir saberes e costumes. Não quero com isso dizer que tenha que me converter, terei certamente de os respeitar, tal como espero que quem visita a minha terra respeite os meus. As lições aprendidas, as boas e as más, ajudarão a melhorar a minha maneira de interpretar as pessoas, a sociedade e tudo o que me rodeia.

Notas para distraídos:
A série da BBC... espreitem aqui:
http://www.bbc.co.uk/comedy/guide/articles/a/alloallo_7770250.shtml

E Conimbriga afinal até está na Internet (mesmo não tendo telefone na altura):
http://www.conimbriga.pt


21 outubro 2006

Droga...

Descobri que tenho uma dependência, no entanto ainda não consegui avaliar qual o seu grau de toxicidade ou até que ponto pode ser perigosa para a minha saúde.

Reparei que é uma dependência comum nesta sociedade em evolução, neste início de século que arrancou disparado pelo novo milénio dentro.

É uma dependência cuja dureza da ressaca varia com diversos factores. Embora já consiga prever os momentos mais dolorosos não lhe consigo resistir e a privação custa-me mais do que eu inicialmente seria capaz de admitir.

A necessidade aguda faz-me gastar dinheiro, quase sem controlo, na urgência de a suprimir.
Creio ainda não ter chegado a um ponto sem retorno, mas sinto que cada vez mais esta dependência se entranha no meu ser.

A reabilitação não será um processo simples, a redução da dose terá de ser acompanhada de cuidados especiais e de uma atenção redobrada aos sintomas.

Claro que outras questões me preocupam, como a qualidade do produto, que poderá incluir excipientes perigosos, ou onde arranjar os fornecedores necessários, garantindo a minha segurança, quando estou deslocado.

Mas enfim, creio que o primeiro passo para a reabilitação está dado, tomei consciência do problema. Muitas pessoas estarão ainda longe de perceber que têm o mesmo problema que eu e estarão por isso, infelizmente, ainda mais longe da cura.

Por esta altura estarão já preocupados com o meu bem-estar e asseguro-vos que não será caso para menos, o caso ameaça tornar-se grave se não for devidamente controlado.

Na pouca investigação que fiz sobre este assunto e analisando os meus próprios sintomas e comportamentos, sou capaz de identificar outras pessoas onde esta patologia se manifesta e isso preocupa-me de sobremaneira, pois se não me consigo curar não sei se consigo ajudar sequer aqueles que me são próximos.

Sou, se ainda não repararam, dependente da comunicação e da ligação à rede que se assume ubíqua mas ainda está longe de o ser. Sou consumidor de conteúdos impressos e electrónicos, os quais, como já referi têm demasiados aditivos e excipientes perigosos para a minha saúde mental.

Estou dependente de uma ligação ao mundo e de algumas ligações ponto a ponto.

Esta semana que passou, tive de resistir à míngua desta droga, à escassez de recursos, à carência de um produto de qualidade, à inexistência de um ponto de acesso.
Estive, por isso, de ressaca sem conseguir que o meu cérebro tivesse a coerência necessária para que conseguisse prender aqui alguma nota.

E desenganem-se, não há Metadona, ou outro produto de substituição que me valha... a coisa só estabiliza com mais largura de banda, disponível a qualquer hora, onde quer que esteja, sem limites de tráfego e com custos controlados... cortar a dependência terá sempre de ser gradual.

Hoje gastei umas horas a viajar na espuma das ondas da rede, a minha respiração normalizou-se e o meu ritmo cardíaco desceu para níveis aceitáveis, os suores frios secaram, as tremuras pararam, o meu cérebro atrofiou um pouco e senti-me regenerado.

13 outubro 2006

Azar...

Hoje é sexta-feira e há quem dela tenha receio por ser o décimo terceiro dia do mês.
Para mim é uma sexta-feira que, tal como todas as outras sextas-feiras, me inspira serenidade e excitação.

Saio de casa de manhã com um esboço de sorriso nos lábios, que só não é mais definido devido à hora madrugadora.
Diria até que os meus olhos teriam mais brilho, mas isso apenas se conseguisse mantê-los abertos. Para as minhas pálpebras, os níveis de luminosidade matinal são sempre demasiado elevados e estas, sendo perfeitamente autónomas, insistem em fechar-se para proteger as minhas pupilas ainda dilatadas.

O dia passa, nem devagar nem depressa, ao ritmo dos outros dias da semana, sinto uma ansiedade crescente e, paradoxalmente, estou tranquilo.

Ao abandonar o escritório, desejando um bom fim-de-semana aos meus colegas, reconcilio-me com a dureza da semana que termina.
Já na rua, os meus sentidos estão mais apurados. O ar mais frio acaricia-me a face e invade as minhas narinas com os cheiros outonais. O Sol já desceu muito abaixo do horizonte, deixando apenas uma aura laranja escuro, num céu nocturno onde já brilham outras estrelas.

Chegado a casa, já depois de uma boa refeição, os músculos relaxam acusando a tensão e o cansaço acumulados. O corpo está dorido. O cérebro deambula por assuntos diversos, permitindo-se a indulgência de divagar sem rumo aparente.

Hoje é sexta-feira e para mim é sempre um dia de sorte. É a véspera do descanso entre dois assaltos e chegando ao fim da semana quase K.O. sou salvo pela campainha.

Pequena anotação...
Hoje não joguei naqueles jogos dos milhões, se não me saísse o prémio seria tentado a dizer que sexta-feira 13 é um dia de azar.

11 outubro 2006

Sempre mais...

A gestão de recursos tem sido, de há uns tempos a esta parte, motivo de discussões e controvérsias.
Discute-se como gerir melhor o petróleo, o gás natural, o urânio enriquecido e a água potável (normalmente por esta ordem).
Discute-se o como gerir (ou não) as toneladas de monóxido e dióxido de carbono, de sulfatos, cloretos e nitratos.
Discute-se quantas árvores podem ser abatidas, quantas videiras devem arrancadas e quanto peixe pescado.
Em traços largos, estas são as discussões gerais sobre a gestão dos recursos naturais, de um planeta azul que tem uma capacidade de regeneração imensa mas não infinita e muito menos imediata.
É intrínseco à natureza humana o consumo por prazer, que ultrapassa, em muito, as necessidades básicas e em consequência a disponibilidade do que é oferecido.
E o pior é que quanto mais tem, mais quer... o ser humano não é saciável.

Esta atitude déspota não é válida só sobre o meio ambiente e pode ser verificada sobre toda a actividade humana.
Para exemplificar, desculpem recorrer à minha área de conhecimento, verifiquem o que se passou com os computadores nos últimos anos.

Não há muito tempo, houve um dia excitante lá em casa. Chegou um computador, novinho em folha, com aquele cheiro característico das coisas novas, que se desembalam com jeitinho. Era um topo de gama, um 486DX com 2 Mb de memória e uns 40 Mb de disco rígido (ou seriam 80? Já não me lembro...).
Esta maravilhosa engenhoca, que ultrapassava, por várias ordens de grandeza, o desempenho das anteriores, tinha um pequeno mostrador que indicava uma velocidade de 50 (sim cinquenta!) rapidíssimos Mega Hertz, quando o botão do turbo estava no fundo.
Era uma autêntica máquina voadora, tão rápida que quase se ultrapassava a si própria.
Mais tarde, porque o rendimento já não parecia tão vitaminado, levou um suplemento de esteróides e anabolizantes: mais um disco rígido e, pasmem-se, mais 6 Mb de memória!
Durou pouco o entusiasmo, tal como os atletas dopados em fim de carreira, foi ultrapassada pelas poderosíssimas plataformas informáticas actuais.
Aqueles 50 milhões de ciclos por segundo, não eram suficientes para acertar o passo com as necessidades, sempre em evolução crescente, dos programas que corriam sobre aquela máquina.

Aliás, é ponto geralmente aceite, que os recursos que os programadores utilizam, são sempre superiores àqueles de que as máquinas, para as quais os seus programas foram desenhados, podem oferecer.

O utilizador comum, faz as tarefas básicas com um computador, como editar um texto, ou fazer umas contabilidades, à mesma velocidade que fazia anteriormente, pois os seus dedos não escrevem mais depressa por o indicador de velocidade, da Unidade Central de Processamento, indicar um número tão grande que o faz perder a noção do seu significado.
Mas queremos sempre mais, mais rápido e com mais potência!

Se a gestão dos recursos, virtualmente ilimitados, de processamento e memória, disponíveis para uma aplicação, num computador actual, fosse efectuada com a mesmo cuidado com que eram geridos os espartanos recursos dos primórdios da computação, teríamos certamente processos muito mais rápidos, mas provavelmente a evolução do equipamento não seria tão acentuada.

Imaginem a cara de espanto de um pré-adolescente de dez anos, ou mesmo quinze, se lhe disserem que o seu telemóvel, que lhe cabe na palma da mão e com o qual não está satisfeito, pois não possui aquelas características essenciais a qualquer miúdo ou miúda daquela idade, tem uma capacidade de processamento e de memória vários milhares de vezes superiores à do caixote que vi ser desempacotado com jeitinho há uns anos.

Podia enumerar outros exemplos de que o humano quer sempre mais e mais... mas isso já todos sabem e sinto-me um bocado idiota a referir este assunto, sobretudo na área das chamadas tecnologias da informação.

No entanto, deixem-me acrescentar uma última nota, que surge também na sequência de uma nota presa anteriormente sobre ficção científica.
Já reparam a dificuldade que é apresentada aos actuais autores de histórias sobre o futuro? Deve ser verdadeiramente difícil conseguir surpreender o mundo, a começar pelas gerações mais novas.

Lembro-me bem da expressão facial dos meus avós quando puderam comunicar com a minha irmã, que estava lá longe, através da vídeo-conferência. A ficção científica estava a realizar-se diante dos olhos deles e para mim, confesso, era evidente e naturalmente possível.

Acho que o Orson Welles teria hoje algumas dificuldades em reproduzir os efeitos que teve nas audiências da Guerra dos Mundos.


Pequeno reparo a quase todas as notas já presas:
Apercebi-me que tenho tendência a divagar... começo a nota num assunto e termino noutro. Porque será? Tenho de meditar sobre isto, pode ser um problema psíquico grave.

10 outubro 2006

Limbo...

Noticiava um jornal aqui há dias que a Igreja Católica acabou de vez com o Limbo.
Aqui está um conceito que nunca consegui perceber muito bem como se definia e aparentemente agora já não preciso de saber.
O pouco que percebi, é que o Limbo seria um espaço, algures entre o Inferno e o Céu, em que seriam depositadas as crianças não baptizadas.

Mas não percebi até que idade uma criança teria acesso a este espaço que, não sendo de felicidade plena, não seria de sofrimento.
Seria a idade legal? E que idade legal? Aquela em que podiam ser responsabilidadas perante um tribunal? Aquela em que poderiam consumir álcool? Isto varia de país para país.

E aquelas crianças que não foram baptizadas porque os seus pais professavam uma qualquer outra religião?
Seriam já consideradas culpadas por ainda não terem direito à escolha?
Ou eram consideradas inocentes e estariam habilitadas a um lugar no Limbo?

E os putos que tinham pais influentes? Que conseguiam meter uma cunha para que o filho entrasse nesse Limbo sem fazer os exames necessários ou sem sequer ir às entrevistas?

E as regras de bom comportamento? Do género daquelas que o Pai Natal aplica para determinar se o menino ou menina devem receber presente este ano? Seriam aplicadas? Ser-lhe-ia negado o acesso, se o crianço tivesse passado mais tempo a comportar-se de forma inapropriada do que a ser bem comportado?

Seria, portanto, uma espécie de orfanato gerido pela Igreja Católica, onde eram recolhidos os menores a quem não molharam a cabeça com água benta.
Com a quantidade de escândalos, por maus-tratos ou violações de menores, entre outros, que vieram a público sobre as instituições de crianças geridas por católicos, é compreensível que o Limbo também seja fechado.

Também não sei ainda, o que se vai passar agora com os largos milhões de meninos e meninas que estavam no Limbo desde o século V.
Uma vez que a medida tem efeitos imediatos, o Limbo estará a ser demolido.
Será que acautelaram o espaço e os recursos necessários para as acolher? Seja lá onde for...

Nota do avesso:
Parece que a dança do Limbo não foi abolida, podemos continuar ver as miúdas e graúdas a tentar passar por baixo da barreira ao som daquela música ritmada.

08 outubro 2006

Teoria e prática...

Há uns dizeres famosos que dizem que a teoria e a prática costumam andar às avessas, dizem que mesmo que não estejam de costas voltadas, não são propriamente aliadas.
Claro que estas frases estão sempre ligadas ao contexto em que são apresentadas, mas têm aplicações variadas. Seguem assim:

"Na teoria toda a gente sabe tudo mas nada funciona.
Na prática tudo funciona e ninguém sabe porquê.
Aqui a teoria e a prática estão interligadas:
Nada funciona e ninguém sabe porquê."

O problema daquilo que acontece com a teoria é a tendência para simplificar.

Exemplo clássico: o ensino da física.

Nas primeiras aulas de física sobre o movimento é comum utilizarem-se algumas simplificações. Ignorar a força de atrito ou arredondar a aceleração gravítica são simplificações normalmente bem acolhidas pelos pupilos.
Depois, claro, a coisa vai-se complicando mas, quando já temos matemática que chegue para perceber as equações de Lagrange, dizemos que podemos ignorar meia dúzia de forças circundantes só para simplificar os cálculos.

Exemplo comum: na engenharia civil.

Um amigo meu, que é neste momento engenheiro civil, dizia, com algum orgulho, que os dimensionamentos que lhes ensinavam nas aulas provavelmente nunca seriam a causa da queda de pontes ou outras estruturas.
A ideia pelos vistos é simples, nem sei como é que não é aplicada noutras áreas. Dimensiona-se a coisa, a ponte por exemplo, para um determinado volume de tráfego (o problema é que ninguém sabe o que é que os camiões transportam ou se respeitam os limites de peso e a polícia não pode andar a verificar a tara e o peso bruto de tudo o que passa na via), a esse valor acrescenta-se uma margem de segurança (também conhecida por "coeficiente de cagaço") e depois, não vá o diabo tecê-las, multiplica-se por dez.
Reparem que este método justifica as derrapagens nos custos de muitas obras desta natureza, aparentemente quem faz o orçamento não aplica a última regra.

Exemplo absurdo (mas verdadeiro): o valor de pi.

Um estado americano (claro) tentou (e quase conseguiu) passar uma lei, há já alguns anos, em que o valor de pi não era irracional. Afirmava, portanto, que a quadratura do círculo seria perfeitamente possível se pi assumisse um dos seguintes valores: 3,2; 3,23 ou 4.
Estão a imaginar os pneumáticos nas viaturas a não servirem nas jantes? Ou as porcas das rodas a não coincidirem com os buracos?

Com a quantidade de simplificações impostas à teoria é natural que a prática saia um bocado ao lado do que seria de esperar.

O problema da prática já é outro, aliás, normalmente é o oposto ao da teoria: é tudo muito complicado!

Porque é que raio o valor da razão do perímetro de uma circunferência sobre o seu diâmetro teria de ser um valor com um número de casas decimais infinito?
Será que seria mesmo necessário que o campo gravítico não fosse regular e ainda sofrêssemos influências (maiores ou menores) de todos os outros corpos celestes?
E o depois se fizermos as contas com a as equações da relatividade, mesmo a que não é restrita, chegamos à conclusão que até o Albert teve de simplificar, usando uma constante que nem ele sabia justificar muito bem e que já se veio a descobrir ser variável (embora não muito).

É por estas e por outras que enfim... é difícil conciliar as coisas.

Uma última nota, antes de querem reformular todo o sistema de ensino por causa disto...

É certo que muitas vezes aquilo que se ensina, ou é possível ensinar, na teoria nem sempre bate certo com a prática, mas a realidade é que muitos dos conceitos com que nos martelam a cabeça ficam retidos nos nossos neurónios e acabam por ser assimilados até ao ponto de um dia se tornarem úteis.

05 outubro 2006

Equilíbrios...

Imaginem uma bola.
Eu sei que isto não parece começar bem, mas a bola é já tão universal, que todos conseguem imaginar uma.
Não interessa o tamanho, imaginem só que a equilibram no pico de uma montanha.

Bem, já estou a imaginar os cenários criados pelas vossas lindas cabecinhas. Uns, puseram a bola de pingue-pongue na Torre e ela daí não foge. Outros assentaram a bola de futebol na relva de um planalto ou mesmo de um vale. Os poucos restantes ainda estão a pensar se conseguem chegar ao pico do Monte Branco ou se basta que se fiquem pelos Pirinéus.

Este foi mesmo um mau arranque. Pelo menos, escrevi dois parágrafos com palavras-chave de um desporto muito conhecido que, como a maior parte dos parágrafos onde as ditas estão presentes, não querem dizer nada nem fazem sentido algum mas aumentarão substancialmente o número de leitores.

Recomecemos.

Imaginem uma bola na praia. Uma bola daquelas insufláveis, com meio metro de diâmetro, cheia.
Vá lá, numa praia com algum espaço livre no areal.
Agora imaginem que pegam numa pá (não interessa o tamanho).
Juntam areia num monte da vossa altura (se tiverem menos de um metro e meio façam o monte um pouco maior, ao alcance dos vossos braços esticados).
Usem areia molhada no cimo do monte para oferecer mais resistência e formar um pico afiado.
Coloquem a bola no cimo, tipo a cereja em cima do bolo mas sem a enterrar no creme.
Se a coisa estiver bem feita, equilibrar a bola em cima do monte deverá ser uma tarefa relativamente complicada, mas não impossível.

Imaginaram isto tudo?
E imaginaram as ondas? E a maresia? E o horizonte? E os biquinis? Imaginação fértil.

Queria eu demonstrar o seguinte, se houver uma brisa a bola não se segurará muito tempo no píncaro do vosso monte e desandará por ali abaixo. A vossa sorte é que a brisa normalmente sopra do mar, o que faz com que a bola deslize em direcção a terra.
A questão é que mesmo que tenha sido só uma rabanada de vento, a bola não volta sozinha para o cimo do monte de areia. Uma vez que comece a descer não volta a subir.
A este equilíbrio precário os entendidos chamam instável.

Agora cavem um buraco. Suficientemente grande para lá caber a bola e se sentir o efeito do vento, mas não tão grande que se sintam em dificuldades para sair lá de dentro.
Se lá colocarem a bola no fundo, mesmo que venha uma brisa a bola não sairá do buraco.
Se a brisa parar até é natural que a bola regresse ao fundo do buraco e fique quietinha.
Este é portanto o equilíbrio estável.

Resumindo:
O equilíbrio estável é aquele que volta a reequilibrar-se mesmo depois de desequilibrado.
O equilíbrio instável quando se desequilibra nunca mais volta ao lugar.

Ora, parece-me a mim que tudo na Terra está permanentemente num equilíbrio instável. Saltando de monte em monte mas nunca alcançando o buraco. Só ainda não percebi é se isso é positivo ou negativo...
A analisar noutra nota.

03 outubro 2006

Segundos, minutos, horas...

Um dia tem destas coisas: 24 horas; 1440 minutos, 86400 segundos.
Passam! E passam! Não sei se a correr se a voar.
Só sei que me fazem correr a mim quando precisava de voar.
Corro que corro, de um lado para o outro.
Se é que é possível correr sentado.

O tempo sucede-se.
Acelera e trava ao ritmo inverso dos meus afazeres.
Menos tempo para mais que fazer.
Menos que fazer para mais tempo.
O tempo sucede-se a ele mesmo.
Acelera e trava ao ritmo inverso dos meus interesses.
Mais tempo para menos interesse.
Mais interesse para menos tempo.

E o tempo quanto é?
O dia é Sideral, é Solar, é Convencionado.
São estrelas que giram no espaço.
É o Sol que arqueia no céu.
Mas sol no céu azul anda mais devagar que as estrelas na noite.

É a Terra que nos endoidece num carrossel permanente.
E um ano é uma volta à pista num circuito de corridas.



Pequena nota sobre os dias e os dias...

O dia Solar médio tem 86400 segundos.
O diaSideral médio tem 86160 segundos.
Um ano trópico médio tem 365,2422 dias solares.
Um ano trópico médio tem 366,2422 dias siderais.
Ou seja, o número de voltas que a Terra efectua sobre si própria é maior do que o número de vezes que o Sol passa sobre as nossas cabeças.

o tempo é uma certeza incerta e desde sempre um enigma.

29 setembro 2006

Vira o disco e...

Bem, pego aqui no tema que ontem ficou na gaveta à espera que eu tivesse um pouco mais de paciência para lhe pegar... e vamos lá ver se não fico pelo caminho, pois isto faz-me um nervoso miudinho, indisfarçável. Um nervoso de irritação, que me apetece desatar a chamar nomes menos próprios a toda uma classe profissional.
Aqui não terei algum resquício de pudor nas generalizações.

Têm lido a imprensa nestes últimos tempos? Já nem digo nos últimos anos, digo apenas nos últimos meses.
Se a resposta for não: podem bem continuar sem esse vício.
Se a resposta for sim: deviam considerar largar esse vício e deixar de sustentar uma cambada de indigentes.

Estando desterrado, umas almas caridosas fizeram-me chegar às mãos não um mas dois dos mais respeitados diários portugueses, ambos datados de Domingo, 24 de Setembro de 2006.

Estava excitado com novidades semi-frescas, já eram de ontem quando lhes peguei, mas que, talvez pela textura do papel e do odor característico deste tipo de publicações, ainda apeteciam.
Depois, pensava eu na minha ingenuidade, estariam escritas em português... enfim... começam os desenganos.

Náuseas surgiram-me assim que olhei para as capas.
Depois de respirar fundo duas ou três vezes abri o primeiro. O som do papel a desdobrar-se para me mostrar a página seguinte, trouxe de novo uma pequena agitação ao meu espírito curioso. Mais do mesmo...

Folheio o jornal até ao fim, dou-me ao trabalho de ler as gordas e algumas das pequenas, mas não se aprende nada. Não há sumo. Quem é que tem paciência para isto?

Foi mais forte do que o meu auto-controlo, apenas consigo justificar a atitude com a palavra saudade, peguei no segundo jornal.
As páginas seguiram-se a um ritmo bem mais acelerado que o primeiro... aquilo era tudo igual!
Dei por mim, com os dois jornais abertos, a jogar o jogo "descubra as diferenças" entre eles.

Já não há jornalismo. Esperem, reformulo, o jornalismo transformou-se. A questão é que ainda ninguém percebeu em quê.
Se alguém já percebeu, deve ter vergonha de dizer, porque ainda não se descoseu.

E jornalistas! Desapareceram! Já não são capazes de se fazerem ouvir nem se importam com isso. E é fácil perceber porquê...
Entre outros defeitos tão ou mais graves, o pouco português que sabem mal lhes chega para fazer a lista de compras!

E depois? Depois acabam-se os jornais. Passaram a folhetins rasca. Com o mesmo tamanho, as mesmas cores, as mesmas noticiazinhas desencantadas, apresentadas da mesma forma com os mesmos cabeçalhos, as mesmas fontes, as mesmas fotografias. Quem passa os olhos por um lê todos!

Ao que parece, surgiu para aí um novo semanário, não lhe vou fazer publicidade, parece que o jornaleco sai aos Sábados. Opinam por aí os bem-aventurados da palavra que a tinta fresca de um jornal novo dará uma nova vida à imprensa e ao jornalismo, beneficiando os leitores.
Pelo que li na concorrência, pois ainda não tive o privilégio de desfolhar a novidade, acho que o desperdício de papel só servirá para aborrecer mais ainda os fins-de-semana das portuguesas e dos portugueses.

Nem de propósito, adiei o tema por um dia e logo hoje mais uma opinião sobre estas matérias. Dá para ver que ainda há jornalistas que se apercebem do que se está a passar. Pela invocação de um passado já longínquo, apercebemo-nos que o homem já é doutra era e olha para trás com nostalgia, mas mantendo o autismo e o orgulho de quem está no meio, olha para o futuro com optimismo moderado.

Mas há mais! A imprensa está em pânico com as novas Tecnologias de Informação (nome pomposo para designar os novos meios de comunicação).
Estão a perder terreno. Estão sobretudo a perder a exclusividade da palavra.
Até um totó como eu já escreve e publica sem esforço.

É óbvio que há culpados! E que esses somos nós, leitores que aceitam de bom grado, sem pestanejar, sem questionar, a desinformação que nos é colocada no colo.
Não exigimos mais nem melhor... a partir daqui é sempre a descer.

Essas cabeças ocas, cujos donos por aí respiram, deliram é em saber que a prima em terceiro grau do tipo careca que tem uma tatuagem no braço esquerdo e é irmão do rapaz bem parecido que dá pontapés na bola num estádio de futebol num país onde se fabricam carros desportivos ou onde se dança o samba que é casado com uma rapariga jeitosa que pousou meio despida num catalogo de uma qualquer marca de roupa interior masculina e que é amiga do vizinho que tem um cão pastor e uma gata parda arrancou uma verruga do nariz numa complicada cirurgia plástica e adoram ainda mais a entrevista exclusiva para todas as agências noticiosas da amante do médico anestesista.

Desisto! Não compro mais jornais para consumo pessoal.

Ligações anotadas:

O provedor sobre anglicismos:
http://dn.sapo.pt/2006/09/25/opiniao/socorro_sera_help.html
(O último parágrafo é referente ao jornal de Domingo passado)

Um jornalista de outra era:
http://dn.sapo.pt/2006/09/28/opiniao/o_mundo_nao_cabe_paginas_jornal.html

Um jornalista, não de outra era, constata o óbvio:
http://dn.sapo.pt/2006/09/27/opiniao/lugares_sol.html

Uma senhora, não jornalista, mas que pertence a uma classe que eu talvez aprecie menos, a dizer umas verdades:
http://dn.sapo.pt/2006/09/22/opiniao/a_importancia_palavra.html

Pequena anotação:

Tenho pena mas só o Diário de Notícias disponibiliza uma versão aberta das suas notícias na Internet, por isso estas ligações vão todas para o mesmo jornal, também pouco importa... dizem todos o mesmo...