08 julho 2007

Espaço...

O saber não ocupa lugar, lá diz o ditado, mas a mim não me enganam com essa.

No outro dia fui à feira do livro de Lisboa, já não passava pelo Parque Eduardo VII(1) havia muito tempo (claro que aqueles que possuem mentes perversas deverão abster-se de comentar).

Eu tenho um problema com aquela feira e com outras similares, por isso só lá posso ir uma vez de vez em quando, por períodos limitados, com escolta e antes de jantar.

Desta vez arrisquei, mesmo sabendo que não posso ficar exposto a tamanha catrefada de livros, sob pena de ter de meter os meus parcos haveres no prego só para poder levar para casa várias toneladas de papel impresso.

As minhas últimas passagens por este acontecimento cultural, levaram-me a aperfeiçoar o percurso da visita. Estaciono junto da Estufa Fria, desço por um lado em zig-zags aleatórios e subo pelo outro em zag-zigs erráticos. Garanto, assim, uma cobertura razoável das quatro fileiras de bancas. Este percurso não dispensa uma paragem, obrigatória, na barraquinha das farturas e churros, para retemperar as forças e enganar a fome. Algodão doce também serve, mas este ano só havia do cor-de-rosa. Outra opção é a bela maçã caramelizada, mas desta vez não as vi.

Estou a fugir ao assunto. Isto é o que dá, ter muitas ideias prontas a jorrar cá para fora, atropelam-se umas às outras. Já avisei que não é defeito é feitio e acrescento que a primeira pessoa que me tentou corrigir foi a minha professora primária, sem sucesso como se pode verificar.

Onde é que eu ia?... Ah! É verdade... no peso da cultura.
Ora é típico. Abro as portas do carro e despejo lá para dentro os catorze ou quinze sacos que por esta altura me parecem pesar perto de trinta e seis quilos cada. Sento-me e as minhas pernas e braços agradecem os minutos de repouso. Afinal aquele parque tem quinhentos metros de comprido, uma ida e uma volta aos zig-zags mói.

Uma das primeiras conclusões que retiro das minhas visitas a estes certames, ou às minhas investidas esporádicas a uma livraria ou biblioteca, é que o conhecimento ocupa espaço! E pesa! Sobretudo depois de acarretar uns quilos pela alameda acima.

Portanto refuto o provérbio!

E isto é tão verdade no papel como no mundo digital. Mesmo com a miniaturização, que fez progressos notáveis(2)! Querem guardar mais informação, arranje-se mais um disco rígido que este já está cheio, querem mais documentos, mais fotografias, mais músicas, venham mais memórias, cartões, discos compactos, discos versáteis digitais(3). Tenho uma pilha dessas coisas para meter na ordem e já não me cabem nas gavetas.
Produz-se informação a um ritmo alucinante. Para a guardar é preciso espaço!

Colocada a questão com estes preceitos, sou levado a concordar com um detective famoso que no final do século XIX ignorava por completo a teoria de Copérnico. Desconhecia mesmo que a Terra girava em torno do Sol.
O Doutor John H. Watson, ex-Oficial-Médico do Exército de Sua Majestade Britânica surpreendeu-se ao tomar conhecimento desta particularidade – elementar – do homem com quem dividia as despesas de um apartamento em Baker Street.
Para o intrépido detective essa informação era completamente desnecessária e ele tratava de a esquecer depressa para poder preencher o seu “sótão” com a mobília que lhe interessava, não o queria atafulhar com bugigangas(4).

Esta teoria parece razoável, afinal possuímos um número de neurónios limitado, as sinapses estão restringidas a um espaço exíguo.

A questão é mais delicada do que parece à partida.
Acabamos por não saber se uma informação nos vai dar jeito ou não no futuro.
Não temos forma de saber se teremos espaço para guardar outras peças sem despejar as que já temos.
Eu imagino a coisa como uma caixa de ferramentas e não considero que uma chave de fendas seja mais imprescindível que um martelo. Embora saiba, por experiência própria e porque aprendi com alguns mestres da arte do desenrasca, que uma chave de fendas pode servir de martelo e vice-versa.
Há que juntar o maior número de ferramentas possível. Devemos equipar-nos para enfrentar o mundo. Como a caixa talvez seja limitada, será necessário escolher as melhores peças, as mais precisas, as mais resistentes, as mais práticas e ergonómicas.


Anotações:
(1) Sabem qual o nome porque este parque era conhecido antes de 1902? E porque mudou de nome em 1902?

(2) A foto ao lado resume a questão, aliás já aqui notada anteriormente.
É de um disco de 5 MB, que equipava um computador IBM em 1956 e que pesava qualquer coisa como uma tonelada.
Hoje começamos a ter problemas para não perder nos bolsos as pequenas memórias portáteis de alguns GB.

(3) Vulgo DVD.

(4) Sabem quem é o detective? Claro que sabem! É elementar!
Esta constatação é feita logo no início da sua primeira aparição pública em um “Estudo em Vermelho” ou no original “A Study in Scarlet”.