22 janeiro 2013

Devia ter desconfiado

A máquina está desligada, a luz fluorescente da sala ainda está acesa. Trocam-se cumprimentos – bons-dias – afinal é Domingo – são feitas as introduções – mas confesso que não me lembro do nome da senhora que vai operar o aparelho – a minha mulher lá se ajeita na marquesa e os procedimentos começam: “– Apague a luz por favor.”

É a primeira ecografia, terão passado apenas algumas semanas de enjoos e desejos gastronómicos absurdos a horas indecentes, está na hora de perceber o que é que se passa afinal, ali dentro daquele ventre que começa a arredondar.

O ecrã está ainda negro, com umas linhas e uns números desenhados de que não consigo tirar sentido. Até aqui tudo parecia estar a acontecer devagar. Tudo parecia estar a ser congeminado para me tranquilizar e estavam a suceder. Com a luz apagada, àquela hora de Domingo(1), só não adormeci porque estava de pé... e porque talvez me ficasse mal.

De repente, sem aviso, forma-se uma imagem em tons de cinza no ecrã. É a primeiríssima imagem de todas! Ali está o feto e o seu reflexo! Estou ensonado e já não me lembro de como foi a noite anterior. Mas! Espera! Isto não é um são DOIS! O tempo pára! Pisco os olhos várias vezes mas continuo a ver a dobrar. O meu cérebro está a tentar interpretar os estranhos sinais que os meus olhos lhe enviam. A tentar juntar as duas imagens que crê serem o espelho uma da outra – talvez seja uma de cada olho mas não consigo focar – enquanto toma nota no meu subconsciente que devia deixar de beber fosse o que fosse que tivesse bebido na noite anterior e que não se lembra – ou terá sido do pequeno-almoço? – chegando à única conclusão plausível: a máquina tem um defeito qualquer, aquilo são ultra-sons e estão para ali reflexos a mais.

O ainda inebriado subconsciente já tinha chegado à conclusão óbvia, mas além de ainda se sentir adormecido também não cria no que via, afinal o centro de processamento de imagem do cérebro estava completamente disparatado.

Nesse instante a imagem focou-se melhor. A ilusão acaba com a minha mulher a dizer:  “– São DOIS!” E a técnica que opera a máquina a perguntar: “–  Tem antecedentes de gémeos na família?”

Pois! Gémeos!

Desatei a rir, para dentro pois o exame ainda não tinha acabado. Era o meu subconsciente a gozar com o meu cérebro. Não estava assim tão bêbado, a noite anterior até tinha sido pacífica. De resto já nada interessava. Tudo está bem, parecem ser gémeos dizigóticos, blá, blá, blá…

Saímos dali todos a rir e continuámos a rir por mais uma ou duas semanas. Até que me comecei a afligir com a possibilidade de serem DUAS meninas. Uma não me importaria nada… mas DUAS?!

E comecei a matutar no caso e a achar que devia ter desconfiado quando ela me apresentou não um mas DOIS testes de gravidez, cada um com não uma mas DUAS risquinhas cor-de-rosa… os DOIS positivos!





(1) Sim, foi a um Domingo!

13 agosto 2012

Mais Longe, Mais Rápido... Mais Alto

De quatro em quatro anos estaciono durante cerca de duas semanas no sofá, com a televisão sintonizada na cobertura dos Jogos Olímpicos.
E se me lembro do Carlos Lopes a cortar a meta em Los Angeles e da Rosa Mota em Seul... nas tardes e noites de Agosto passadas em casa dos avós, na Costa Vicentina... A minha memória está mais viva desde aquele momento mágico em que o Antonio Rebollo acendeu a pira olímpica em Barcelona. E depois Atlanta, Sydney, Atenas, Pequim... e agora Londres.
Claro que não me lembro de Moscovo, mas a história que se aprende com o passar de cada ciclo olímpico, (e já lá vão quantos? 8 e meio!) está deliciosamente recheada...
Alguns dos nomes maiores do desporto foram gravados no meu subconsciente sem eu sequer me aperceber... Liddell e Abraham através da 20th Century Fox, pelos livros de história onde Jesse Owens pontifica em fotos nas mesmas páginas onde de vê o asqueroso bigode de Hitler... e pelo tio Zé Fino, que me entre outros nomes me chamava Zátopek, pelo avô fã da Roménia e da Nadia.
E claro Pierre de Coubertin, como seria de esperar, foi-me apresentado na infância pelo Sport Goofy(1)!

A cada Olimpíada há novas estórias, novos recordes batidos, é a espécie humana que se supera a si mesma.
Mais! A cada Olimpíada é possível aferir não só a evolução do desporto mas da engenharia e da técnica... A televisão é talvez o testemunho mais nítido dessa evolução... desde as primeiras emissões a preto e branco dos jogos de 1936 até às emissões em alta definição e a três dimensões dos jogos de Londres.

A cada Olimpíada continuo a emocionar-me, desde as lágrimas à raiva pura. Porque alguém bateu um recorde pessoal sem ganhar uma medalha... porque alguém que pesa 77kg e sofreu uma lesão num braço, consegue levantar 190kg para ganhar uma medalha de prata, enquanto grita de dor e as lágrimas se confundem com suor...

A raiva vem sempre porque há quem tente fazer batota e manipular as regras.
E como me irritaram as meninas do badminton! Jogar para perder só parar defrontarem pares teoricamente mais fracos na eliminatória seguinte. Foram desqualificadas! E bem! O espírito desportivo prevaleceu...
Além de que como agora tudo é espectáculo, quem pagou (caro!) aqueles bilhetes não terá sido para ver as melhores jogadoras do mundo atirarem volantes contra a rede.

O espectáculo felizmente continuou em grande durante duas semanas, mais recordes foram batidos, mais história aconteceu que ficará registada na minha memória.

Quando os jogos acabam é um alívio, já me posso levantar do sofá!
Estes jogos de Londres tinham o slogan: "Inspirar uma geração!". Pois a mim não precisam de inspirar, 2016, Rio de Janeiro, voltarei a seguir tudo o que conseguir!


(1) - Sim, foi numa animação colorida da Disney, gravada numa cassete VHS que revi vezes sem conta que ouvi pela primeira vez a frase:

The important thing in life is not the triumph but the struggle, the essential thing is not to have conquered but to have fought well.

Com a legenda em Português:

O importante na vida não é tanto o triúnfo mas o combate, o essencial não é conquistar mas é ter lutado bem.

Mal eu sabia que um dia viria a saber ler o original:

L'important dans la vie ce n'est point le triomphe mais le combat, l'essentiel ce n'est pas d'avoir vaincu mais de s'être bien battu.


01 abril 2012

Ficção Ciêntifica hoje

 
Uns grupos de cientistas, para lidar com as suas inaptidões sociais(1) resolveram passar uma temporada enterrados, numa gruta dos Alpes italianos. Só para ver chegar umas partículas que vêm da Suíça, sem pagar portagem e sem apresentar identificação na fronteira.

Em Setembro de 2011, uns quantos desses cientistas chanfrados(1) assomaram-se à entrada da gruta e gritaram ao mundo para chamar a polícia! Existia um resquício de prova de que a velocidade da luz, limite máximo de velocidade definido pelo código da estrada do Universo (tal como passado a limpo pelo Alberto(2) em 1905), tinha sido ultrapassada, por um conjunto de neutrinos destrambelhados e sem travões numa dessas travessias dos Alpes... e eles queriam que alguém os multasse.

Ora como aquilo se passou em Itália e os carabinieri têm mais do que fazer do que tomar conta do trânsito, porque o código lá é um mero conjunto de regras indicativas, e porque não há mal num pouco de excesso de velocidade... afinal nem excederam a tolerância.
E todos sabemos quão inclinados são os Alpes nalgumas daquelas escarpas, veja-se lá a velocidade que os tipos da descida livre atingem!

Entretanto um outro grupo de cientistas-toupeira, emergiu para afirmar que afinal os neutrinos não foram cronometrados em excesso de velocidade porque, ao que parece, o equipamento não estava devidamente calibrado. Repetiram as medições e o neutrinos afinal até são partículas bem comportadas.

Ora eu fiquei decepcionado! Embora me tenham dado argumentos para refilar com a Brigada de Trânsito na próxima vez que for "cronometrado" em excesso de velocidade na A1; sempre tive muitas dúvidas de que aqueles radares estejam devidamente calibrados, afinal o princípio de funcionamento daqueles aparelhómetros baseia-se na velocidade da luz(3) emitida por eles e reflectida pela viatura onde me desloco.

Mas fiquei decepcionado porque o ano de 2011 correu tão bem para os aficionados da ficção científica... e 2012 já começou arranjar dificuldades.
Em 2011 ano tive a impressão de estar a assistir a uma revolução.
E não estou a falar da Primavera Árabe.

Refiro-me a ter a sensação de estarmos a caminhar a passos mais seguros para dominar as tecnologias que nos permitem acreditar (ainda) mais fervorosamente nas possibilidades que os mestres descrevem nos seus escritos sobre o futuro(4).

E acho que o entusiasmo com que li a notícia da possibilidade dos neutrinos terem ultrapassado o limite que é a velocidade da luz, só talvez seja comparável ao meu entusiasmo quando descobri que tinha uma bicicleta nova na varanda.
Com ela podia pedalar até onde eu quisesse... se a velocidade da luz não for realmente um obstáculo então também podemos ir até onde quisermos... ou quase... um dia.

Ainda não perdi a esperança de que, ainda no meu tempo, seja possível construir uma Warp Drive.

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(1) É do conhecimento público que pior do que um engenheiro a viver em sociedade só alguém com formação em Física... e se forem investigadores então!... até falam numa língua desenvolvida por eles, um código que só eles conseguem decifrar (e não todos!)... chanfrados portanto.
Até porque quem é que no seu perfeito juízo se lembraria de disparar umas partículas que ninguém vê, a partir da Suiça, através da rocha dos Alpes, para as tentar (e conseguir!!!) apanhar numa caverna em Itália a mais de 730km de distância?

(2) Albert Einstein, em 1905, escreveu uns artigos científicos importantes, entre eles o da teoria da relatividade restrita e um outro onde a famosa fórmula
E = mc2 foi apresentada ao mundo.
Não vou aqui explicar nada do que ele escreveu, mas é necessário dizer que a humanidade avançou muito, enquanto espécie, devido a essas publicações.
Tenho, no entanto, de referir, que para mim, são apenas uma das interpretações possíveis do universo como o conhecemos... quero acreditar que não são definições únicas e absolutas.

(3) Na realidade o radar baseia-se na frequência da luz e não na sua velocidade.
Na sua dupla personalidade, verdadeiramente esquizofrénica, a luz emitida pelo radar comporta-se como uma onda e não uma partícula. Uma onda que é reflectida pelo objecto e recolhida pelo aparelho que mede o desvio na frequência causado pelo efeito de Doppler. Acham que o sr. guarda se deixa enganar?
Ah! É verdade, quase que me esquecia: Oh mãe! Fica tranquila porque não ando em excesso de velocidade, nem na A1 nem noutra A qualquer... foi só uma figura de estilo.

(4) Foram várias as descobertas e inovações apresentadas ao mundo que aproximam a realidade da fantasia, aqui ficam dois exemplos:
- Materiais que se regeneram a fazer lembrar o modelo T-1000 do Terminador implacável
- Controlo remoto com a mente a la Avatar

31 março 2012

Circulando

Descobri no outro dia que moro no distrito onde a taxa de acidentes na estrada é menor.
Num país onde a média de acidentes por cada mil é de apenas cinco, o condado de Wiltshire, um dos maiores em área, apresenta apenas metade desse número: 2,5 por cada 1000 carros na estrada.

Claro que podemos fazer umas contas rápidas e chegar à conclusão de que num país onde estão registados mais de 30 milhões de viaturas, concentradas numa área de 130 395 km2, onde vivem cerca de 60 milhões de pessoas e muitas ovelhas, as seguradoras têm bastante negócio tal como os reboques e bate-chapas.
Para termo de comparação podem usar Portugal que tem 10 milhões de habitantes, numa área de 92 090 km2 e tem cerca de 7 milhões de viaturas registadas. Como dizia o outro: "é só fazer as contas."

Mas aqui as estradas são realmente tranquilas e eu explico porquê, é que confesso que andei intrigado durante algum tempo sobretudo porque esta gente dá nas vistas como sendo incapaz de conduzir como deve ser. Facto agravado por conduzirem do lado errado, obrigando o cérebro a trabalhar com um hemisfério que não foi desenhado para essas funções.

Um colega meu esboçou uma teoria onde tentava enquadrar a observação de que os ingleses conduzem, regra geral, devagar. Sim, cumprem os limites de velocidade, indicados em milhas por hora (mph) num país onde o sistema métrico foi imposto em todo o lado excepto nos sinais de trânsito... o que, claro!, os baralha ainda mais(1).
Dizia esse meu colega que:
" - Eles conduzem devagar porque têm medo que venha de lá alguém a conduzir na mão certa."

Esta é uma teoria bastante válida e que eu já testei, pois já aqui andei na mão certa e a velhinha que ficou a olhar para mim, realmente vinha devagar.
Mas como atrás dela vinha uma enorme fila de trânsito, com malta que parecia estar a desesperar atrás da senhora, que vinha realmente devagar, não considero que os dados recolhidos na experiência sejam completamente representativos.

A minha teoria para o cumprimento do limite de velocidade é mais pragmática e assenta em duas premissas:

     a) eles têm mais obras nas estradas, sobretudo nas auto-estradas, que as câmaras municipais de Portugal quando decidem que têm de abrir valas para passar uns cabos quaisquer;
     b) eles têm plantados nas estradas, sobretudo nas zonas de obras nas auto-estradas, mais sistemas de radar e de câmaras do que eucaliptos em Portugal.

Por isso passar das 70 mph é complicado... eu percebo.

Mas para esta gente tem de ser assim. Têm de se explicar tudinho e definir tudo de maneira a que não haja confusões. Eles já têm de se preocupar com muita coisa quando estão ao volante, a começar por descobrir como engrenar a mudança seguinte com a mão esquerda. Por isso as coisas aqui têm de ser simplificadas.

Se para os italianos o código da estrada é um mero conjunto de indicações genéricas, para os ingleses o código da estrada tem mais peso do que a Magna Carta.
Mas ao contrário desse documento basilar da história deste país, o código da estrada inglês é simples.

Não têm, por exemplo, a regra da prioridade.
Mais uma vez creio que é por eles terem alguma dificuldade com as noções de lateralidade.

No continente tem prioridade quem vem da direita excepto indicação em contrário.
Aqui tem prioridade quem não tem sinal algum que lhe indique o contrário.

Eles assumem que se eles não têm um stop ou um triângulo invertido na frente, que existe um desses sinais na estrada que se cruza com aquela onde circulam e portanto têm prioridade.
Eu confesso que ainda avanço a medo, até porque sendo Português tenho sempre aquela sensação de desconforto que me faz questionar a existência de sinais do outro lado.

O único local onde eles têm uma noção de prioridade é numa rotunda. Quem circula tem prioridade.
Para mim é mais intuitivo do que pensam, pois é só dar prioridade à direita. (Se baralhei alguém peço desculpa).

E claro que como esse local sagrado os ajuda a perceber como usar um cruzamento poupando na sinalização vertical, eles polvilham as estradas de rotundas.
Usam a rotunda como pontuação num texto.
Círculos pintados no asfalto, com 1 ou 2 metros de diâmetro, que se atravessam a direito, até porque não há espaço para serem contornados, mas que definem a ordem de passagem num cruzamento. E é engraçado observar a hesitação destes gentlemen e destas ladies, quando 3 ou mais das suas viaturas se aproximam das mini rotundas ao mesmo tempo... enfim, avanço eu a rir, porque tenho sangue latino e não fico muito tempo a tentar descortinar o bloqueio que se gera.

Os ingleses elevam a arte das rotundas a um nível que faz inveja a qualquer presidente de um qualquer município de Portugal, em particular do de Viseu.
Eles condicionam o trânsito nas rotundas, pintam as faixas na estrada em espiral, encarreirando as viaturas para as saídas correctas a partir do momento em que entram no carrossel.
Mas tem mesmo de ser assim, porque se não lhes disserem como se faz eles não fazem, e fico na dúvida se sabem fazer.

Se eu fosse reaccionário diria que até as rotundas limitam a liberdade de expressão neste país... se eles descobrissem o prazer que dá entrar no Marquês de Pombal, em hora de ponta, descendo da Fontes Pereira de Melo, fazer uma tangente ao calcário do passeio da placa central, e sair para a Braamcamp sem ouvir um apito.

Mas a arte nas rotundas é realmente refinada. Eles fazem rotundas dentro de rotundas. Rotundas grandes com uma rotunda pequena em cada uma das entradas da rotunda maior, fazendo com que na rotunda grande se gire ao contrário das rotundas pequenas...
A mais emblemática destas rotundas está neste distrito, na cidade de Swindon, e tem título de conto de fadas: A Rotunda Mágica - The Magic Roundabout - talvez por isso aqui o número de acidentes ainda seja menor... pudera é preciso andar ainda mais devagar!

The Magic Roundabout

Algumas referências visuais:
Wikipedia: The Magic Roundabout Swindon
Google Maps: The Magic Roundabout Swindon
Google Maps: rotundas pintadas

(1) - Demorei algum tempo para perceber como eles usavam os marcos nas estradas. Nas placas de sinalização indicam números para a distância às terrinhas onde a estrada nos leva e olhando para os marcos a coisa não batia certo... cheguei a colocar em causa se eles sabiam contar.
Mas descobri! As indicações das distâncias estão em milhas os marcos da estrada em quilómetros!
Não deixa de ser irónico: milestones em quilómetros. ;-)

20 outubro 2011

Nuvens

O tempo passa a correr.
Deste ano, em particular, só vejo paisagem desfocada a passar a uma velocidade estonteante.

Para conseguir que o meu cérebro processe, minimamente e sem gripar, tudo o que os meus cinco sentidos, na vertigem da saturação, absorveram nestes últimos meses, tenho recorrido a auxiliares de memória...
Auxiliares de memória, é o nome pomposo que um professor meu utilizava para cábulas.

Se antes usava ficheiros de texto, agora virei-me para o software especializado que funciona até no meu telemóvel, mantendo as minhas notas acessíveis em qualquer lado e permitindo pesquisas detalhadas.
Mas claro que continuo a usar um bloco de notas... todo escrevinhado, numa caligrafia muitas vezes ilegível e ao qual falta uma ferramenta de pesquisa.
Tenho uma desorganização inata, que se reflecte nas minhas notas, e que dificulta encontrar seja o que for que tenha escrito. Como sei disso às vezes não escrevo... e esqueço-me... outras escrevo e não encontro... por isso esqueço-me na mesma.

Mas agora é impossível esquecer! Se durante as últimas décadas foi porque as memórias de silício dopado se insinuaram nas nossas vidas, tão discretamente que nos habituámos a depender delas, agora é a rede que se torna na nuvem onde tudo se perde mas nada se esquece.
As minhas notas guardadas algures, em servidores espalhados pelo mundo, provavelmente replicadas em cópias de segurança efectuadas diária e automaticamente, correm o risco de existir até ao fim dos tempos, em zeros e uns no ciberespaço... mesmo que ninguém alguma vez as leia e mesmo que eu me esqueça de que elas existem.

E se isto se passa com as minhas notas... que serão porventura irrelevantes, imaginem o que acontece com tudo o que mandamos para essa nuvem que cresce desmesuradamente, alimentada por essas partículas de informação.
Fotografias das férias, vídeos dos miúdos, correspondência... e tantas outras coisas... ficheiros e ficheiros.
As nossas vidas estão cada vez mais ligadas e por isso cada vez menos anónimas, ou menos privadas... é a ubiquidade, estamos em todo o lado ao mesmo tempo... e todos nos vêem.

Há quem não tenha pudor e não se importe com isso... quem abrace a nuvem e acelere pelo nevoeiro sem luzes ou sirenes.

Eu trepo na térmica que é a Internet até à nuvem que ela criou e ameaça sobre desenvolver-se(1).. mas fico sempre com algum receio... afinal quem controla as nuvens?
O clima até está cada vez mais estranho com esta coisa do aquecimento global... E previsões meteorológicas têm sempre um grau de incerteza.

Não era sobre nada disto que eu queria escrever... mas agora também já não me lembro exactamente qual devia ser o tema... tenho de rever as minhas notas...


(1) Nota voadora: as nuvens mais comuns são os cumulus humilis, os pompons que pululam por aí. Estes formam-se por correntes de ar ascendente, térmicas. Ar que ao subir arrefece até condensar a humidade que possui, formando a nuvem. Se o gradiente de temperatura permitir este ar mais quente continuará a subir e a gerar uma nuvem maior... cumulus congestus... e maior... cumulus nimbus... até se desfazer tudo em trovoada, raios, coriscos e uma chuvada.

21 janeiro 2011

Não entendi...

No final de 2010 descobri um outro português, do qual ainda só tinha ouvido rumores. Estou a referir-me à língua portuguesa. Fui a São Paulo, foi a primeira vez que estive no Brasil. Nenhuma telenovela me preparou para o choque, nem alguém oriundo daquelas paragens, dos milhares que estão em Portugal.

O português é uma língua complicada. Uma fonética fechada e sibilante. Uma gramática tramada, mesmo para os nativos. Além de que temos fama de falar depressa. Se consigo entender que para um francês, alemão, britânico ou americano o português soe a russo ou árabe, não esperava passar por hispânico no Brasil ou por outra nacionalidade que não portuguesa.

Não me lembro das suas palavras exactas, mas um amigo de origem brasileira, radicado em Portugal há já vários anos, disse-me uma vez algo assim:

“Os portugueses olham para a língua como um elemento cultural, como património. Respeitam essa herança dos antepassados como poucos no mundo. Não percebem que para um brasileiro é apenas uma ferramenta para comunicar. Se eu me fizer entender que mal tem eu errar a gramática ou a ortografia. O objectivo primário de uma língua é passar uma mensagem."

Na altura retorqui que considerar uma língua como uma ferramenta não era incompatível com uma utilização correcta. Aliás, até permite clarificar a mensagem.

Ao que ele contrapôs:

“Sim, é certo, mas é complicado, porque é preciso instruir. No Brasil, infelizmente a taxa de alfabetização é baixa e já foi menor. Quem expandiu o português no Brasil foram os escravos levados de Árica. Muitas das palavras novas foram até criadas na clandestinidade, como código.”

Compreendo. Disse eu. E faz sentido. Mas…

O certo é que os meus tímpanos vibram e o meu cérebro tem dificuldade em processar. Até com os meus compatriotas tenho tendência a ser crítico com o uso da língua, porque faz parte do português que sou. Prezo a correcção na utilização desta “ferramenta”, deste pedaço de cultura.

A ler já convivo, com um pouco mais de indiferença, com o acordo ortográfico, afinal não há alterações significativas e embora por vezes tenha de reler uma frase porque uma palavra qualquer me baralhou com a grafia, sobrevivo. A escrever, ignoro. Felizmente o corrector ortográfico que utilizo ainda sabe onde colocar cês e pês antes de tês.

Mas pontapés na gramática…Ghrrr! Não aceito! Isso é ofender!
Tenho dificuldade em tolerar! E se tolero é porque não posso educar quase 200 milhões de pessoas … até porque o me apetecia fazê-lo à chapada!

A mais flagrante e simples: concordância de número. Para um brasileiro parece ser difícil usar as palavras no plural. Falam: “muitos caminhão e muitos carro na estrada”; “dois grupo de pessoas”. Fico até na dúvida que eles conheçam o plural de algumas palavras como capitão, pincel ou até… lápis.

E a conjugação verbal? Usam o gerúndio, a primeira e terceira pessoas do presente do indicativo e resto viajava nalguma nau que se afundou algures no Atlântico Sul.

“Tu vai comigo?
– Tou indo!
– Vamo bora!”

Não expando este pequeno diálogo. Deixar isto escrito até pode ser perigoso. Os meus dedos queimam e as minhas bochechas fervem, devo estar a corar, não sei se de vergonha ou raiva. Acho que chega para ilustrar a ideia.

No meio de tudo isto, o que mais me doeu na alma foi não me entenderem!
A resposta sistemática era: “Não entendji.”(1)
Tão ou mais comum que a interjeição: “Oi?”
Juro que falava devagar! Tive de me esforçar para falar, como eles…
Parece que o ouvido deles é limitado ou simplesmente não está afinado para o que eles dizem ser o português com sotaque. (Com sotaque!!! EU? Nem a minha costela alentejana se nota, muito menos a beirã. Indignação!).

Não sei se é por termos tantas novelas que para nós é igual. Não deve ser, eu até nem vejo. E tive mais dificuldade em perceber os “tiques” (para não dizer um palavrão) gramaticais do que o sotaque.

Se temos orgulho do português ser a quarta língua mais falada do mundo, porque a semeamos aos quatro ventos, temos de ter consciência de que lhe perdemos o controlo.
O sotaque mais falado é mesmo o brasileiro. Dez milhões à escala brasileira… falamos um dialecto,  só espero que não esteja em vias de extinção.

O acordo ortográfico é um primeiro passo para que essa ferramenta se torne comum, aproximando também os outros países de língua oficial portuguesa… mais uns milhões. A grafia já está... faltará abandonar o sotaque... mas espero que nunca se lembrem de abdicar da gramática ou sequer simplifica-la, afinal sem ela uma língua não é nada.

20 janeiro 2011

Nova década

Como devem ter reparado... provavelmente não... 2010 foi um ano seco por estas bandas.
A década termina os anos zero já foram arrancam agora os anos 10.

Talvez uma nova vida para estas notas.

Tenho algum material que tenho mantido em rascunhos... várias ideias que ainda não concretizei em textos que me satisfizessem, afinal também sou egoísta e escrevinho estas notas sobretudo para mim, para tentar manter o meu "tuguês" em melhor forma que a minha barriga.

Talvez tenha ficado mais picuinhas... mas o mais certo é o meu fraco talento ter minguado.
Peço por isso um pouco de paciência a quem se arriscar a ler estas notas.

E vamos lá ver por quanto tempo consigo manter isto. Não prometo nada, talvez uma por semana para começar.