18 junho 2007

Arrefecer...

Há uns tempos, diria que desde que me conheço, que ando intrigado com um assunto doméstico.
Vou direito ao assunto, sem engonhar, porque é mesmo uma questão existencial, diria até primordial, uma questão filosófica num planeta atormentado pelo aquecimento global.

Porque é que é se engoma a roupa? E quem terá sido a alminha iluminada que se lembrou disso pela primeira vez?

Ao que parece foram os chineses os primeiros a começar com esta actividade ignóbil.
A ideia era (e talvez ainda seja) alisar as sedas e os linhos, retirar as rugas aos tecidos.

O calor alivia a tensão entre as moléculas, permitindo o estiramento das fibras.
A água, ajuda a que esse alívio se verifique a temperaturas que não impliquem a destruição das urdiduras, sobretudo as de algodão.
A pressão distende os tecidos eliminando os vincos e outras rugas.
A goma, que felizmente caiu em desuso, permite que os tecidos sejam moldados tornando-os numa armadura.

Às temperaturas que normalmente se realiza esta operação (recomenda-se que varie progressivamente entre os 135º C, para os acrílicos, nylons e outras fibras sintéticas, e os 230º C para o linho), tem também propriedades higiénicas, eliminando parte daquela fauna e flora microscópica que pulula alegremente por aí.

A verdade é que as informações, apresentadas nos parágrafos anteriores, pertencem já aos domínios da cultura geral e senso comum. No entanto, quando se coloca objectivamente a pergunta: “- Para que serve passar a roupa a ferro?”, a resposta não é clara e está sempre sujeita às susceptibilidades de quem a responde.

Será uma questão de vaidade, uma questão de conforto visual.

Engomar é uma tarefa completamente supérflua!
O que é impressionante é que deverá ser, das tarefas que menos contribuem para o bem-estar da sociedade, aquela que mais contribui para a economia global e também aquela que mais contribui para o famigerado aquecimento global.

Contas rápidas...

- Um ferro de engomar doméstico, daqueles de trazer por casa, normalíssimos, que mandam umas bufas de vapor quando se carrega num botão, tem uma potência média de 1.000 Watt (nos dias que correm a maior parte dos fabricantes já oferece modelos mais potentes mas este número facilita as contas);
- Para passar a roupa de uma pessoa, gastar-se-á, em média, 1 hora por semana (não necessariamente da pessoa que veste a roupa) com o ferro ligado. Este número é uma mera estimativa com base em observações empíricas, embora se creia que esteja nivelado por baixo, não andará muito desfasado da realidade (a 5 minutos por peça teremos 12 peças por hora, um número de peças aceitável para uma média se não se fizer caso das extravagâncias);
- Considerando esta média aceitável para Portugal, multiplicando estes números pelos 10 milhões de habitantes deste país, chega-se à conclusão de que o são consumidos por ano 480 GW (sim Giga Watt! Mil milhões!), só para a roupa que se traz no pêlo.

Considere-se agora a vertente industrial, que se ocupa principalmente dos lençóis e toalhas das unidades hoteleiras e da restauração:

- A potência consumida em média por uma prensa ou ferro industrial ronda os 5.000 W;
- Considerando que estas máquinas são apenas utilizadas durante o horário de trabalho, ou seja, 8 horas por dia;
- Assumindo 240 dias úteis por ano, para facilitar as contas;
- Considere-se a existência de 1930 lavandarias e engomadorias em Portugal, número de entradas para estas duas actividades nas páginas amarelas portuguesas;
- Se cada uma destas entidades tiver 2 máquinas a funcionar obtém-se um consumo anual de cerca de 37 GW.

Contas feitas, só em Portugal é possível considerar que são consumidos mais de 500 GW por ano para passar a roupa a ferro.
As mesmas contas para a Europa: cerca de 25.000 GW gastos por ano a engomar.

Claro que todos os profissionais do ramo odiariam qualquer revolução, seria um grande rombo para a sua economia e para a economia das empresas fornecedoras de electricidade, mas a proposta fica aqui registada:

Por um planeta melhor parem de engomar!


Anotação final:
Todos temos de contribuir para um planeta mais limpo, todos temos de poupar para permitir que as gerações futuras ainda desfrutem um pouco desta pequena rocha que vagueia pelo universo. Deixo a minha sugestão, temos de começar por algum lado.

10 junho 2007

Mediterrâneo...

Nas quatro ou cinco tentativas que fiz para escrever esta nota não fui além de um chorrilho atabalhoado de palavras sem nexo.
Embora a minha insanidade seja incurável, sinto-me agora emotivamente mais frio para lidar com o mês de Maio.

Uma escrita emotiva tende a perder em objectividade.
Escrever com emoção, quero dizer, escrever emocionado, retira a lucidez necessária a uma análise clara e objectiva dos factos.
Talvez a prosa seja mais fluida, talvez a emoção funcione como catalisadora de figuras de estilo, mas nada acrescenta em realismo ou em conteúdo.

Mais problemático se torna, o encadeamento das palavras, quando as emoções são contraditórias, quando a felicidade se mistura com a tristeza e os olhos mareiam de alegria e mágoa.

Das corridas...

Terminada uma etapa é necessário olhar para a meta da etapa seguinte.
A vida é toda uma coisa ao jeito do ciclismo: metas volantes e prémios da montanha.
A estrada é longa e as suas características mudam à medida que se avança.
No meio do pelotão luta-se para chegar aos lugares da frente, disputam-se ao sprint as pontas finais.
Claro que há aqueles que pedalam por aí dopados, correndo a velocidades desumanas e atropelando os valores morais mais elementares.
Na vida não há fair play, é um salve-se quem puder constante.

A etapa que se segue terá outros objectivos e outras tácticas, neste caso terá até outro pelotão, outras equipas... e outros desafios.

Das terras...

As paisagens sucedem-se. Azuis, verdes, castanhos e todo o colorido das flores desta Primavera.
O preto riscado de branco, numa estrada a caminho do oeste.

Do mar para terra, da planície para a montanha, do chão para as nuvens!

Com novas paisagens, novos costumes.
Arquitecturas, gastronomias, línguas e outras coisas diferentes.
Outros olhares, outras interpretações.

E vemos outras maravilhas, outros recantos que fotografamos com a nossa memória... que o tempo distorce e gasta até se tornarem aguarelas esbatidas numa tela amarelecida.

Das gentes...

Sejam espectadores atentos ou parceiros na estrada, colegas de equipa, adversários ou árbitros, conhecemos novas caras à medida que os ponteiros do cronómetro giram.

Gentes... gentes que percorrem os seus caminhos, que se cruzam com os nossos.
Pessoas com quem partilhamos momentos. Instantes fugazes de uma vida a correr.
Gentes que sobrevivem ao primeiro impacto e aguentam tempo suficiente para aprenderem a suportar a nossa companhia.

Acabamos por vestir camisolas da mesma cor, mesmo que patrocinados por outras marcas.
Acarinhamos e somos acarinhados em grupos que nos acolhem, por um pelotão que pedala na mesma estrada e no mesmo sentido.

Sorrisos ou outras expressões faciais menos agradáveis denunciam estados de espírito que aprendemos a conhecer e a decifrar.

Uns guardamos como companheiros de estrada nas etapas seguintes, outros seguem por outros caminhos ou para outras provas.

Conhecer gente é uma riqueza maior.
Permitir que gente nos conheça é criar laços difíceis de quebrar.

Dos mares...

A saudade é um sentimento estranho... que se entranha segundo dizem alguns.
É como a água que verte pelas frinchas.
Ocupa os espaços vazios, escorrendo pelas fibras humanas.
É como a água, cíclica.
Evapora-se de um mar qualquer para gotejar dos nossos olhos.
E se não temos saudades de um mar temos de outro...
Ou talvez apenas de um lago.



Pequena grande anotação:
Esta nota, presa com comoção, junta apenas fragmentos de sentimentos e emoções.
Se é difícil para qualquer génio da literatura utilizar as palavras de maneira a incutir a sua afecção e sensibilidade, para mim é uma tarefa impossível.
Mas queria, ainda assim, dedicá-la... humildemente.
E dedico-a. Não como agradecimento, pois sei que não tenho de agradecer a ninguém.
Dedico-a para que o mundo saiba que há gente que aprecio.
Dedico-a porque essa gente teve paciência para cuidar de mim, mostrar-me outras coisas e outros saberes.

Com carinho...
Dedico-a às gentes do projecto Herschel-Planck, com quem foi um privilégio partilhar a estrada e o esforço.
E dedico-a às gentes lusas que trabalham numa pequena terra, cheia de
glamour, na Côte d’Azur, para que continuem a saborear o presente... na agradável companhia uns dos outros...