26 outubro 2006

Toca e foge...

Isto até é divertido! Tem dado algum gozo escrever para aqui umas patacoadas.
Mais que um exercício de português, acaba por ser um exercício de imaginação. Dá alguma luta!

Um tema até pode surgir naturalmente mas o seu desenvolvimento requer um pouco mais de esforço mental. Além do mais, depende em muito do estado de espírito, da disposição com que é abordado. A abstracção é possível, focando a concentração numa escrita imparcial, mas isto não é jornalismo.
A fórmula do Onde? Quem? Quando? Como? aqui não resulta, mesmo que acompanhada do Porquê?.

Não deixa de ser interessante, mesmo sem eco, sentir que há leitores. Exige um pouco mais de responsabilidade. Não que eu tenha vergonha alguma, mas o anonimato com que aqui redijo as minhas notas, disfarçado com um pseudónimo de desenho animado, só é válido para quem não me conhece. O anonimato é relativo.

Dou-vos um exemplo:
Houve um Rómulo que também era Vasco da Gama e tinha um apelido pelo qual também respondo. Esse Senhor escreveu, descreveu, historiou e divulgou a ciência contribuindo para o desenvolvimento do ensino em Portugal, sendo respeitado e apreciado nessa sua actividade.
Com outro nome deleitou uma nação com poemas que provaram que a língua está viva. Arrebatou deliciosamente a alma lusa... fê-la sonhar... "que o sonho comanda a vida."
Para muitos ele foi, é e será anónimo... com ou sem pseudónimo.

Os pseudónimos e heterónimos são disfarces e subterfúgios.
O anonimato nomeado é a revelação de uma vida ou actividade paralela, talvez complementar. Ou a constatação pública de uma esquizofrenia irreversível.
Mas esse disfarce permite, tal como aos super-heróis dos desenhos aos quadradinhos, um sentimento de integridade (e impunidade) quando se mistura com a plebe. E possibilita a distância necessária para que se possam avaliar os estragos dos desastres que se escrevem.

Aqui, disfarçado sob as barbas ruivas do meu falhado herói do oeste, os meus dedos tecem estes textos, neste tear de letras em que se passeiam com familiaridade, em experiências surdas de um espírito que se diverte e entretém com pouco. Como uma criança que foge pela rua depois de tocar à campainha de uma porta desconhecida.


Desta vez não vos faço a papinha toda. Mas dou-vos um empurrão, utilizem o vosso motor de busca preferido na Internet, coloquem no campo de pesquisa a frase seguinte:
"O comum das pessoas pensa que as coisas têm de ter um limite: o limite é onde termina o que conhecemos."
Descobrirão um nome que, se para vocês é anónimo, poderá e deverá deixar de o ser.

25 outubro 2006

Porra...

Passei rapidamente em revista o pouco que tenho escrito e chego à conclusão que não percebo como é que conseguem ler estas coisas.
É só nostalgia, sentimentalismos e mariquices do mesmo género.

Que raio de imagem é que eu estou a passar?
O meu ego desdenha o que escrevi e o pouco orgulho consciente que me resta obriga-me a rever a minha atitude, a minha abordagem a estas notas.

A minha intenção era juntar pensamentos soltos... se continuarem a sair só pantominices deste género o dever impõe-me que vos poupe o sofrimento de semelhantes leituras.
Se é isto que os meus miolos conseguem produzir, quando estão ainda na flor da idade, porra! Quando vier o Parkinson e o Alzheimer ainda será pior!

Já viram isto: "flor da idade" – estas expressões adamadas são completamente desnecessárias!

Realmente, se há coisas que um gajo não está preparado para aceitar, uma delas será perceber que anda meio aluado com algumas ideias amaricadas. Não digo "paneleirices" porque ainda tenho um mínimo de amor-próprio!

Afinal, homem que é homem só chora quando nasce! Para anunciar bem alto ao mundo que chegou e exigir de mamar à primeira mulher que lhe aparecer à frente!
Qualquer fita que faça daí em diante terá de ser muito bem justificada. E coisas destas, que levam à nostalgia, ao sentimentalismo e fatalmente à efeminização não podem ser admitidas!

Tenho de rever seriamente o que se passa comigo e tomar algumas resoluções firmes!


Hum...
Hoje fico-me por aqui... vou meditar no assunto. Isto têm de manter um mínimo de decoro e ao aperceber-me desta questão melindrosa o meu subconsciente reprimido ainda esbanja por aqui algumas palavras de calão português, do mais baixo nível.

24 outubro 2006

Pão fresco...

Hoje parei numa padaria, ao final do dia, mesmo antes de chegar a casa, para adquirir uma simples baguette.
Não tenho por hábito fazê-lo, nunca consigo dar conta de uma baguette inteira sozinho e mesmo não sabendo todos os ingredientes da massa, asseguro-vos que no dia seguinte estes pequenos cacetes têm consistência bastante para se jogar um dos desportos predilectos daquele povo que habita do outro lado do Atlântico.
Mas hoje apeteceu-me! E fui agradavelmente surpreendido.

Peguei no saco de papel, estreito, feito à medida do conteúdo e senti, na minha mão, o calor daquela massa acabadinha de cozer. Dois passos fora da porta do estabelecimento, já tinha um pedaço na boca. Nesse momento apercebi-me que, por alguns cêntimos, tinha adquirido muito mais do que o sustento necessário ao meu estômago.

Aquela baguette francesa, mesmo que mal cozida e quase sem sal, trouxe-me à memória sabores esquecidos e aventuras passadas.

Mesmo sem manteiga, cheguei a casa, cinco minutos depois, com menos de metade daquele pão dentro do saco de papel, o resto foi devorado sem esforço enquanto me acomodava.

Não sendo nenhum casqueiro saloio, nem panito alentejano, não sendo de milho, nem sequer de centeio, o calor que me transmitiu às mãos e à boca, nesta noite fresca de Outono, atenuou os seus defeitos e feitios e, digo-vos, soube-me bem!

A cada dentada imaginava-me, como que por magia, noutros locais, noutros momentos.

Estive em Évora Monte, a comer pão seco, às poucas horas da madrugada, num dia de Verão.
Passei pela Ericeira, onde fiquei dez minutos, sentado num banco de jardim à espera da primeira fornada.
Esperei na fila, abrigado da chuva na ombreira da porta de uma casa, no Pobral, que um pão bem cozido, embrulhado em papel pardo, estalasse à pressão dos meus dedos.
Entrei numa casa, com uma chaminé maior que as outras, na Zambujeira e saí com água na boca e com um pão de quilo num saco.
Encomendei ao padeiro, à beira da estrada, mais uma broa, para juntar às vinte carcaças e aos dois centeios...

Em duas ou três dentadas, num pedaço de pão francês mal amassado, passeei no tempo e no espaço, num êxtase singelo e sentido.


Anotações:

Peço desculpa a quem ler isto antes do pequeno-almoço.

Porque raio é que se diz pão fresco? Quando está bem fresco costuma escaldar!

Não resisti a uma passeata no Google Earth, para quem quiser espreitar, ou até comprar pão, ofereço-vos as coordenadas das padarias que falei em cima, descarreguem este ficheiro: Padarias.kmz
Notas a esta nota: a da Aldeia das Dez é donde vem o padeiro que apanho à beira de uma estrada naquelas serras; a de Évora Monte nem sei sequer se ainda existe mas os Alentejanos gostam de pão.

23 outubro 2006

Aprendizagem...

É interessante verificar como cada ser humano encara uma viagem.
Independentemente do motivo porque se viaja, existe um padrão de comportamento que cada um adopta e adapta, que influencia a sua percepção do que o rodeia e o seu relacionamento com o que o envolve.

Se a minha área profissional fosse a psicologia, este seria certamente um tema que me serviria para uma longa carreira académica. Para um mero observador, desconhecedor dos meandros da psique humana, é ainda assim, uma actividade reveladora e instrutiva – levantar a cabeça e olhar em volta.

Os tiques e jeitos com que as pessoas se sentam no comboio, no metro ou no avião, se ajeitam nas filas para embarcar, ou comprar um bilhete, revelam toda uma panóplia de pequenos segredos pessoais e do povo a que pertencem.

Com algum treino de ouvido, não é preciso muito, é possível, por exemplo, identificar a origem de quem pede um copo de leite no café, ou pergunta se o autocarro vai para um qualquer ponto no mapa que tem nas mãos.
Uma série televisiva da BBC, muito conhecida e apreciada, utilizou com mestria as diferentes características do sotaque da língua inglesa, falada pelos povos europeus, para identificar a origem das personagens.
Sem sair do pequeno rectângulo no sudoeste da península ibérica, é perfeitamente possível identificar a região de origem de alguém através, não só do sotaque mas também, das palavras e expressões utilizadas.

O passo seguinte, intuitivo para qualquer aprendiz de detective, é verificar pelos sinais vitais do viajante sob observação, os seus níveis de ansiedade, devidos à natureza da viagem, ao meio de transporte que se prepara para utilizar ou onde já entrou, ou à maior ou menor dificuldade que tem em comunicar.

Mas estes são meramente exercícios de observação, outros desafios se colocam a um intrépido viajante, interessado em ocupar o seu tempo de forma mais produtiva.

Nunca viram aquelas caricaturas do turista clássico? Que chegam a uma qualquer ruína, com o mapa desdobrável aberto e a brochura com a descrição do interesse do local? E que, lá chegados, disparam duas ou três vezes o diafragma da máquina fotográfica (agora com o advento das engenhocas digitais, disparam vinte e três vezes, de vários ângulos) e pisgam-se apontando para o ponto do mapa seguinte? Parecem os putos pequenos a unir os pontos numerados de um desenho.
Correm de um lado para o outro e o que aprendem? Nada... ficaram a saber tanto quanto está descrito no guia, se é que o leram, provavelmente só viram os bonecos. Mas vão para casa todos contentes e dizem orgulhosos aos amigos:
"– Sabem onde estivemos? Em Conimbriga... olhem as fotografias, aquilo tem para lá uma quantidade enorme de calhaus, houve um povo primitivo, que nem sequer tinha electricidade, que para lá viveu. Muito bonito, vale a pena! Até porque nem sequer se percebe muito bem como é que eles se safavam, naquele ermo, sem telefone."

Também há o viajante com objectivos definidos e que não anda por aí a vaguear pelas ruas de uma qualquer cidade em ruínas, nem pelas ruas de qualquer cidade. Vai para praticar um desporto específico, ou fazer um retiro espiritual, por exemplo. O mais comum, não sei bem porquê, é ir simplesmente à procura de praia e sol... sem mais nada.

Há, portanto, várias formas de classificar um viajante, desde porque é que se mete nisso até às atitudes e posturas que assume.

(Com esta conversa toda veio-me à cabeça uma história... lá vou eu divagar.)

Um colega meu conta, sempre com o seu ar revoltado, a sua aventura na estação de autocarros expresso (ou seria do comboio? esta minha cabeça já não é o que era mas para o caso também não interessa).
Chegou ele, a suar, à fila da bilheteira, colocando-se na terceira posição, uns bons dez minutos antes da hora marcada, para a partida do último autocarro (ou comboio), numa sexta-feira à tarde, depois de ter saído das aulas e ter corrido que nem um desalmado. Cinco minutos depois continuava exactamente no mesmo sítio e começou a preocupar-se com o horário. Olhou para o início da fila onde estava uma senhora, já com uma certa idade, que, pela descrição, não teria o dia muito preenchido, a pedir informações sobre os horários, preços e itinerários do autocarro (ou comboio) que pretendia apanhar na terça-feira seguinte.
Já nem me lembro se ele chegou a conseguir embarcar, a questão nem é essa, a verdade é que a lei de Murphy impõe que a senhora, que não tem nada que fazer durante todo o dia todo, tenha de ir para a única bilheteira aberta, a uma sexta-feira, a hora de ponta, pedir informações sobre uma viagem de alguns quilómetros de autocarro (ou comboio), que terá de fazer, eventualmente, quatro dias depois.

Esta senhora, que provavelmente ficou muito chocada quando o meu colega lhe pediu (talvez não delicadamente) que fosse à sua vida, enquadra-se no tipo de viajantes de nervoso miudinho género: saia-da-frente-que-estou-atrasado-o-meu-comboio-é-daqui-a-três-dias.

(Não me perguntem o que é que este episódio fatídico tem que ver com o resto do texto... lembrei-me apenas que podia ser interessante... e farto-me de rir cada vez que imagino a cena.)

Onde é que eu ia? Ah! Já sei... estava quase a acabar.

Mas afinal o que é viajar? A resposta a esta pergunta deverá ser pessoal e intransmissível. E a definição encontrada deverá corresponder à personalidade de cada um e à forma como se encara o mundo.

Para mim, viajar é uma partilha, é, de certa forma, abrir-me ao destino escolhido ou imposto, haverá sempre momentos inesquecíveis, novos costumes e saberes que se adquirem.
Estou certo que, se muitos mais pensassem assim, estando o mundo cada vez mais perto, teríamos uma muito melhor relação entre povos e civilizações.

Nota extra:
Reparem que eu disse: adquirir saberes e costumes. Não quero com isso dizer que tenha que me converter, terei certamente de os respeitar, tal como espero que quem visita a minha terra respeite os meus. As lições aprendidas, as boas e as más, ajudarão a melhorar a minha maneira de interpretar as pessoas, a sociedade e tudo o que me rodeia.

Notas para distraídos:
A série da BBC... espreitem aqui:
http://www.bbc.co.uk/comedy/guide/articles/a/alloallo_7770250.shtml

E Conimbriga afinal até está na Internet (mesmo não tendo telefone na altura):
http://www.conimbriga.pt


21 outubro 2006

Droga...

Descobri que tenho uma dependência, no entanto ainda não consegui avaliar qual o seu grau de toxicidade ou até que ponto pode ser perigosa para a minha saúde.

Reparei que é uma dependência comum nesta sociedade em evolução, neste início de século que arrancou disparado pelo novo milénio dentro.

É uma dependência cuja dureza da ressaca varia com diversos factores. Embora já consiga prever os momentos mais dolorosos não lhe consigo resistir e a privação custa-me mais do que eu inicialmente seria capaz de admitir.

A necessidade aguda faz-me gastar dinheiro, quase sem controlo, na urgência de a suprimir.
Creio ainda não ter chegado a um ponto sem retorno, mas sinto que cada vez mais esta dependência se entranha no meu ser.

A reabilitação não será um processo simples, a redução da dose terá de ser acompanhada de cuidados especiais e de uma atenção redobrada aos sintomas.

Claro que outras questões me preocupam, como a qualidade do produto, que poderá incluir excipientes perigosos, ou onde arranjar os fornecedores necessários, garantindo a minha segurança, quando estou deslocado.

Mas enfim, creio que o primeiro passo para a reabilitação está dado, tomei consciência do problema. Muitas pessoas estarão ainda longe de perceber que têm o mesmo problema que eu e estarão por isso, infelizmente, ainda mais longe da cura.

Por esta altura estarão já preocupados com o meu bem-estar e asseguro-vos que não será caso para menos, o caso ameaça tornar-se grave se não for devidamente controlado.

Na pouca investigação que fiz sobre este assunto e analisando os meus próprios sintomas e comportamentos, sou capaz de identificar outras pessoas onde esta patologia se manifesta e isso preocupa-me de sobremaneira, pois se não me consigo curar não sei se consigo ajudar sequer aqueles que me são próximos.

Sou, se ainda não repararam, dependente da comunicação e da ligação à rede que se assume ubíqua mas ainda está longe de o ser. Sou consumidor de conteúdos impressos e electrónicos, os quais, como já referi têm demasiados aditivos e excipientes perigosos para a minha saúde mental.

Estou dependente de uma ligação ao mundo e de algumas ligações ponto a ponto.

Esta semana que passou, tive de resistir à míngua desta droga, à escassez de recursos, à carência de um produto de qualidade, à inexistência de um ponto de acesso.
Estive, por isso, de ressaca sem conseguir que o meu cérebro tivesse a coerência necessária para que conseguisse prender aqui alguma nota.

E desenganem-se, não há Metadona, ou outro produto de substituição que me valha... a coisa só estabiliza com mais largura de banda, disponível a qualquer hora, onde quer que esteja, sem limites de tráfego e com custos controlados... cortar a dependência terá sempre de ser gradual.

Hoje gastei umas horas a viajar na espuma das ondas da rede, a minha respiração normalizou-se e o meu ritmo cardíaco desceu para níveis aceitáveis, os suores frios secaram, as tremuras pararam, o meu cérebro atrofiou um pouco e senti-me regenerado.

13 outubro 2006

Azar...

Hoje é sexta-feira e há quem dela tenha receio por ser o décimo terceiro dia do mês.
Para mim é uma sexta-feira que, tal como todas as outras sextas-feiras, me inspira serenidade e excitação.

Saio de casa de manhã com um esboço de sorriso nos lábios, que só não é mais definido devido à hora madrugadora.
Diria até que os meus olhos teriam mais brilho, mas isso apenas se conseguisse mantê-los abertos. Para as minhas pálpebras, os níveis de luminosidade matinal são sempre demasiado elevados e estas, sendo perfeitamente autónomas, insistem em fechar-se para proteger as minhas pupilas ainda dilatadas.

O dia passa, nem devagar nem depressa, ao ritmo dos outros dias da semana, sinto uma ansiedade crescente e, paradoxalmente, estou tranquilo.

Ao abandonar o escritório, desejando um bom fim-de-semana aos meus colegas, reconcilio-me com a dureza da semana que termina.
Já na rua, os meus sentidos estão mais apurados. O ar mais frio acaricia-me a face e invade as minhas narinas com os cheiros outonais. O Sol já desceu muito abaixo do horizonte, deixando apenas uma aura laranja escuro, num céu nocturno onde já brilham outras estrelas.

Chegado a casa, já depois de uma boa refeição, os músculos relaxam acusando a tensão e o cansaço acumulados. O corpo está dorido. O cérebro deambula por assuntos diversos, permitindo-se a indulgência de divagar sem rumo aparente.

Hoje é sexta-feira e para mim é sempre um dia de sorte. É a véspera do descanso entre dois assaltos e chegando ao fim da semana quase K.O. sou salvo pela campainha.

Pequena anotação...
Hoje não joguei naqueles jogos dos milhões, se não me saísse o prémio seria tentado a dizer que sexta-feira 13 é um dia de azar.

11 outubro 2006

Sempre mais...

A gestão de recursos tem sido, de há uns tempos a esta parte, motivo de discussões e controvérsias.
Discute-se como gerir melhor o petróleo, o gás natural, o urânio enriquecido e a água potável (normalmente por esta ordem).
Discute-se o como gerir (ou não) as toneladas de monóxido e dióxido de carbono, de sulfatos, cloretos e nitratos.
Discute-se quantas árvores podem ser abatidas, quantas videiras devem arrancadas e quanto peixe pescado.
Em traços largos, estas são as discussões gerais sobre a gestão dos recursos naturais, de um planeta azul que tem uma capacidade de regeneração imensa mas não infinita e muito menos imediata.
É intrínseco à natureza humana o consumo por prazer, que ultrapassa, em muito, as necessidades básicas e em consequência a disponibilidade do que é oferecido.
E o pior é que quanto mais tem, mais quer... o ser humano não é saciável.

Esta atitude déspota não é válida só sobre o meio ambiente e pode ser verificada sobre toda a actividade humana.
Para exemplificar, desculpem recorrer à minha área de conhecimento, verifiquem o que se passou com os computadores nos últimos anos.

Não há muito tempo, houve um dia excitante lá em casa. Chegou um computador, novinho em folha, com aquele cheiro característico das coisas novas, que se desembalam com jeitinho. Era um topo de gama, um 486DX com 2 Mb de memória e uns 40 Mb de disco rígido (ou seriam 80? Já não me lembro...).
Esta maravilhosa engenhoca, que ultrapassava, por várias ordens de grandeza, o desempenho das anteriores, tinha um pequeno mostrador que indicava uma velocidade de 50 (sim cinquenta!) rapidíssimos Mega Hertz, quando o botão do turbo estava no fundo.
Era uma autêntica máquina voadora, tão rápida que quase se ultrapassava a si própria.
Mais tarde, porque o rendimento já não parecia tão vitaminado, levou um suplemento de esteróides e anabolizantes: mais um disco rígido e, pasmem-se, mais 6 Mb de memória!
Durou pouco o entusiasmo, tal como os atletas dopados em fim de carreira, foi ultrapassada pelas poderosíssimas plataformas informáticas actuais.
Aqueles 50 milhões de ciclos por segundo, não eram suficientes para acertar o passo com as necessidades, sempre em evolução crescente, dos programas que corriam sobre aquela máquina.

Aliás, é ponto geralmente aceite, que os recursos que os programadores utilizam, são sempre superiores àqueles de que as máquinas, para as quais os seus programas foram desenhados, podem oferecer.

O utilizador comum, faz as tarefas básicas com um computador, como editar um texto, ou fazer umas contabilidades, à mesma velocidade que fazia anteriormente, pois os seus dedos não escrevem mais depressa por o indicador de velocidade, da Unidade Central de Processamento, indicar um número tão grande que o faz perder a noção do seu significado.
Mas queremos sempre mais, mais rápido e com mais potência!

Se a gestão dos recursos, virtualmente ilimitados, de processamento e memória, disponíveis para uma aplicação, num computador actual, fosse efectuada com a mesmo cuidado com que eram geridos os espartanos recursos dos primórdios da computação, teríamos certamente processos muito mais rápidos, mas provavelmente a evolução do equipamento não seria tão acentuada.

Imaginem a cara de espanto de um pré-adolescente de dez anos, ou mesmo quinze, se lhe disserem que o seu telemóvel, que lhe cabe na palma da mão e com o qual não está satisfeito, pois não possui aquelas características essenciais a qualquer miúdo ou miúda daquela idade, tem uma capacidade de processamento e de memória vários milhares de vezes superiores à do caixote que vi ser desempacotado com jeitinho há uns anos.

Podia enumerar outros exemplos de que o humano quer sempre mais e mais... mas isso já todos sabem e sinto-me um bocado idiota a referir este assunto, sobretudo na área das chamadas tecnologias da informação.

No entanto, deixem-me acrescentar uma última nota, que surge também na sequência de uma nota presa anteriormente sobre ficção científica.
Já reparam a dificuldade que é apresentada aos actuais autores de histórias sobre o futuro? Deve ser verdadeiramente difícil conseguir surpreender o mundo, a começar pelas gerações mais novas.

Lembro-me bem da expressão facial dos meus avós quando puderam comunicar com a minha irmã, que estava lá longe, através da vídeo-conferência. A ficção científica estava a realizar-se diante dos olhos deles e para mim, confesso, era evidente e naturalmente possível.

Acho que o Orson Welles teria hoje algumas dificuldades em reproduzir os efeitos que teve nas audiências da Guerra dos Mundos.


Pequeno reparo a quase todas as notas já presas:
Apercebi-me que tenho tendência a divagar... começo a nota num assunto e termino noutro. Porque será? Tenho de meditar sobre isto, pode ser um problema psíquico grave.

10 outubro 2006

Limbo...

Noticiava um jornal aqui há dias que a Igreja Católica acabou de vez com o Limbo.
Aqui está um conceito que nunca consegui perceber muito bem como se definia e aparentemente agora já não preciso de saber.
O pouco que percebi, é que o Limbo seria um espaço, algures entre o Inferno e o Céu, em que seriam depositadas as crianças não baptizadas.

Mas não percebi até que idade uma criança teria acesso a este espaço que, não sendo de felicidade plena, não seria de sofrimento.
Seria a idade legal? E que idade legal? Aquela em que podiam ser responsabilidadas perante um tribunal? Aquela em que poderiam consumir álcool? Isto varia de país para país.

E aquelas crianças que não foram baptizadas porque os seus pais professavam uma qualquer outra religião?
Seriam já consideradas culpadas por ainda não terem direito à escolha?
Ou eram consideradas inocentes e estariam habilitadas a um lugar no Limbo?

E os putos que tinham pais influentes? Que conseguiam meter uma cunha para que o filho entrasse nesse Limbo sem fazer os exames necessários ou sem sequer ir às entrevistas?

E as regras de bom comportamento? Do género daquelas que o Pai Natal aplica para determinar se o menino ou menina devem receber presente este ano? Seriam aplicadas? Ser-lhe-ia negado o acesso, se o crianço tivesse passado mais tempo a comportar-se de forma inapropriada do que a ser bem comportado?

Seria, portanto, uma espécie de orfanato gerido pela Igreja Católica, onde eram recolhidos os menores a quem não molharam a cabeça com água benta.
Com a quantidade de escândalos, por maus-tratos ou violações de menores, entre outros, que vieram a público sobre as instituições de crianças geridas por católicos, é compreensível que o Limbo também seja fechado.

Também não sei ainda, o que se vai passar agora com os largos milhões de meninos e meninas que estavam no Limbo desde o século V.
Uma vez que a medida tem efeitos imediatos, o Limbo estará a ser demolido.
Será que acautelaram o espaço e os recursos necessários para as acolher? Seja lá onde for...

Nota do avesso:
Parece que a dança do Limbo não foi abolida, podemos continuar ver as miúdas e graúdas a tentar passar por baixo da barreira ao som daquela música ritmada.

08 outubro 2006

Teoria e prática...

Há uns dizeres famosos que dizem que a teoria e a prática costumam andar às avessas, dizem que mesmo que não estejam de costas voltadas, não são propriamente aliadas.
Claro que estas frases estão sempre ligadas ao contexto em que são apresentadas, mas têm aplicações variadas. Seguem assim:

"Na teoria toda a gente sabe tudo mas nada funciona.
Na prática tudo funciona e ninguém sabe porquê.
Aqui a teoria e a prática estão interligadas:
Nada funciona e ninguém sabe porquê."

O problema daquilo que acontece com a teoria é a tendência para simplificar.

Exemplo clássico: o ensino da física.

Nas primeiras aulas de física sobre o movimento é comum utilizarem-se algumas simplificações. Ignorar a força de atrito ou arredondar a aceleração gravítica são simplificações normalmente bem acolhidas pelos pupilos.
Depois, claro, a coisa vai-se complicando mas, quando já temos matemática que chegue para perceber as equações de Lagrange, dizemos que podemos ignorar meia dúzia de forças circundantes só para simplificar os cálculos.

Exemplo comum: na engenharia civil.

Um amigo meu, que é neste momento engenheiro civil, dizia, com algum orgulho, que os dimensionamentos que lhes ensinavam nas aulas provavelmente nunca seriam a causa da queda de pontes ou outras estruturas.
A ideia pelos vistos é simples, nem sei como é que não é aplicada noutras áreas. Dimensiona-se a coisa, a ponte por exemplo, para um determinado volume de tráfego (o problema é que ninguém sabe o que é que os camiões transportam ou se respeitam os limites de peso e a polícia não pode andar a verificar a tara e o peso bruto de tudo o que passa na via), a esse valor acrescenta-se uma margem de segurança (também conhecida por "coeficiente de cagaço") e depois, não vá o diabo tecê-las, multiplica-se por dez.
Reparem que este método justifica as derrapagens nos custos de muitas obras desta natureza, aparentemente quem faz o orçamento não aplica a última regra.

Exemplo absurdo (mas verdadeiro): o valor de pi.

Um estado americano (claro) tentou (e quase conseguiu) passar uma lei, há já alguns anos, em que o valor de pi não era irracional. Afirmava, portanto, que a quadratura do círculo seria perfeitamente possível se pi assumisse um dos seguintes valores: 3,2; 3,23 ou 4.
Estão a imaginar os pneumáticos nas viaturas a não servirem nas jantes? Ou as porcas das rodas a não coincidirem com os buracos?

Com a quantidade de simplificações impostas à teoria é natural que a prática saia um bocado ao lado do que seria de esperar.

O problema da prática já é outro, aliás, normalmente é o oposto ao da teoria: é tudo muito complicado!

Porque é que raio o valor da razão do perímetro de uma circunferência sobre o seu diâmetro teria de ser um valor com um número de casas decimais infinito?
Será que seria mesmo necessário que o campo gravítico não fosse regular e ainda sofrêssemos influências (maiores ou menores) de todos os outros corpos celestes?
E o depois se fizermos as contas com a as equações da relatividade, mesmo a que não é restrita, chegamos à conclusão que até o Albert teve de simplificar, usando uma constante que nem ele sabia justificar muito bem e que já se veio a descobrir ser variável (embora não muito).

É por estas e por outras que enfim... é difícil conciliar as coisas.

Uma última nota, antes de querem reformular todo o sistema de ensino por causa disto...

É certo que muitas vezes aquilo que se ensina, ou é possível ensinar, na teoria nem sempre bate certo com a prática, mas a realidade é que muitos dos conceitos com que nos martelam a cabeça ficam retidos nos nossos neurónios e acabam por ser assimilados até ao ponto de um dia se tornarem úteis.

05 outubro 2006

Equilíbrios...

Imaginem uma bola.
Eu sei que isto não parece começar bem, mas a bola é já tão universal, que todos conseguem imaginar uma.
Não interessa o tamanho, imaginem só que a equilibram no pico de uma montanha.

Bem, já estou a imaginar os cenários criados pelas vossas lindas cabecinhas. Uns, puseram a bola de pingue-pongue na Torre e ela daí não foge. Outros assentaram a bola de futebol na relva de um planalto ou mesmo de um vale. Os poucos restantes ainda estão a pensar se conseguem chegar ao pico do Monte Branco ou se basta que se fiquem pelos Pirinéus.

Este foi mesmo um mau arranque. Pelo menos, escrevi dois parágrafos com palavras-chave de um desporto muito conhecido que, como a maior parte dos parágrafos onde as ditas estão presentes, não querem dizer nada nem fazem sentido algum mas aumentarão substancialmente o número de leitores.

Recomecemos.

Imaginem uma bola na praia. Uma bola daquelas insufláveis, com meio metro de diâmetro, cheia.
Vá lá, numa praia com algum espaço livre no areal.
Agora imaginem que pegam numa pá (não interessa o tamanho).
Juntam areia num monte da vossa altura (se tiverem menos de um metro e meio façam o monte um pouco maior, ao alcance dos vossos braços esticados).
Usem areia molhada no cimo do monte para oferecer mais resistência e formar um pico afiado.
Coloquem a bola no cimo, tipo a cereja em cima do bolo mas sem a enterrar no creme.
Se a coisa estiver bem feita, equilibrar a bola em cima do monte deverá ser uma tarefa relativamente complicada, mas não impossível.

Imaginaram isto tudo?
E imaginaram as ondas? E a maresia? E o horizonte? E os biquinis? Imaginação fértil.

Queria eu demonstrar o seguinte, se houver uma brisa a bola não se segurará muito tempo no píncaro do vosso monte e desandará por ali abaixo. A vossa sorte é que a brisa normalmente sopra do mar, o que faz com que a bola deslize em direcção a terra.
A questão é que mesmo que tenha sido só uma rabanada de vento, a bola não volta sozinha para o cimo do monte de areia. Uma vez que comece a descer não volta a subir.
A este equilíbrio precário os entendidos chamam instável.

Agora cavem um buraco. Suficientemente grande para lá caber a bola e se sentir o efeito do vento, mas não tão grande que se sintam em dificuldades para sair lá de dentro.
Se lá colocarem a bola no fundo, mesmo que venha uma brisa a bola não sairá do buraco.
Se a brisa parar até é natural que a bola regresse ao fundo do buraco e fique quietinha.
Este é portanto o equilíbrio estável.

Resumindo:
O equilíbrio estável é aquele que volta a reequilibrar-se mesmo depois de desequilibrado.
O equilíbrio instável quando se desequilibra nunca mais volta ao lugar.

Ora, parece-me a mim que tudo na Terra está permanentemente num equilíbrio instável. Saltando de monte em monte mas nunca alcançando o buraco. Só ainda não percebi é se isso é positivo ou negativo...
A analisar noutra nota.

03 outubro 2006

Segundos, minutos, horas...

Um dia tem destas coisas: 24 horas; 1440 minutos, 86400 segundos.
Passam! E passam! Não sei se a correr se a voar.
Só sei que me fazem correr a mim quando precisava de voar.
Corro que corro, de um lado para o outro.
Se é que é possível correr sentado.

O tempo sucede-se.
Acelera e trava ao ritmo inverso dos meus afazeres.
Menos tempo para mais que fazer.
Menos que fazer para mais tempo.
O tempo sucede-se a ele mesmo.
Acelera e trava ao ritmo inverso dos meus interesses.
Mais tempo para menos interesse.
Mais interesse para menos tempo.

E o tempo quanto é?
O dia é Sideral, é Solar, é Convencionado.
São estrelas que giram no espaço.
É o Sol que arqueia no céu.
Mas sol no céu azul anda mais devagar que as estrelas na noite.

É a Terra que nos endoidece num carrossel permanente.
E um ano é uma volta à pista num circuito de corridas.



Pequena nota sobre os dias e os dias...

O dia Solar médio tem 86400 segundos.
O diaSideral médio tem 86160 segundos.
Um ano trópico médio tem 365,2422 dias solares.
Um ano trópico médio tem 366,2422 dias siderais.
Ou seja, o número de voltas que a Terra efectua sobre si própria é maior do que o número de vezes que o Sol passa sobre as nossas cabeças.

o tempo é uma certeza incerta e desde sempre um enigma.