25 maio 2007

Cinco sentidos...

Estou atrasado nestas notas.
Não tanto por falta de inspiração mas, sobretudo, por falta de espírito... e talvez de tempo.

Do espírito falarei mais tarde.
Nesta nota assentarei apenas alguns dos porquês da falta de tempo.
Este está a ser um mês emotivo.
Tenho explorado os cinco sentidos em pleno!


Viajei a um mundo que foge ao meu conceito de normalidade.

DentesVi, com os meus olhos, montanhas cruas que se erguem como dentes em gengivas de terra fértil.Dente
Ouvi, com os meus ouvidos, pássaros chilreando cantigas que não conhecia.
Cheirei, com o meu nariz, aromas dos verdes vales polvilhados de flores que desabrocham na primavera e das encostas seguras por florestas de Pinus cembra.
Tacteei, com as minhas mãos, erva fresca e neve gelada, caruma caída e madeira a secar.
Saboreei alimentos conhecidos com outros temperos e com outros nomes.

E trepei! Subi ao cimo desse mundo!
Mais de muitos metros acima dos vales.

A treparVendo, com os meus olhos, o negrume das nuvens que encobriam os picos que marinhava.Na nuvem
Ensurdecendo, os meus ouvidos, com trovões que estoiravam imediatamente a seguir a relâmpagos que me encandeavam.
Tacteando, com os meus dedos, a pedra calcária, áspera e rugosa, sentindo o pedrisco e a chuva, frios, na minha face, e a humidade quente do suor, nas minhas costas.
Inspirando, com o meu nariz, o ar das montanhas e das pedras molhadas.

Saboreei a água fresca que escorria, caída da chuva e do degelo do granizo acima da minha cabeça.

E voei! Voei!
Explorando os cinco sentidos: para Norte, para Sul, para Este, para Oeste... e para cima!

A voar


Devo uma anotação para agradecer ao fotógrafo.
Devo-lhe um agradecimento pelas fotografias e pela organização da expedição às Dolomites no nordeste de Itália. Esta nota é para ele e para mais um companheiro de estrada e dos ares.

04 maio 2007

Saltos...

Já aqui falei de sorrisos, hoje falo de lágrimas.

Lágrimas escorrendo em torrente.
Lágrimas cujo sal se cola à pele enrugada de faces doridas.
Lágrimas limpas com mãos calejadas do trabalho árduo.
Lágrimas que se misturam com os suores frios que os pesadelos provocam.
Lágrimas por lembranças de uma vida passada em busca de uma vida melhor.

Fui tocado por um pequeno documentário sobre a emigração portuguesa, em direcção a França, durante a ditadura que assolou Portugal no século passado.
Relatos crus de gente que passou as fronteiras a Salto. Gente que andou e correu léguas, atravessando montanhas e rios, em direcção a um paraíso que nunca existiu.
Infortúnios e misérias, amalgamados nas almas enrijecidas pela fome e pela sede dos seus filhos, venceram medos e terrores. Com coragem fugiram de balas, pulando, com esperança, pelos montes para um futuro incerto.
Foram estrangeiros num país estrangeiro, estranhos numa terra estranha.
Privados de tudo, lutaram para erguer o queixo e levantar os olhos que nunca perderam o brilho.
E os que regressaram foram e são estrangeiros nas suas terras... não são de cá nem de lá.

Com os olhos húmidos, lhes rendo uma singela homenagem. A esses bravos homens e mulheres amassados por um regime abrasivo e explorados por uma economia em crescimento.
E relembro que hoje, como nesses tempos distantes, outras gentes se arriscam a saltar em condições desumanas, atravessando desertos e mares, para outras paragens em busca de apenas um pouco mais.

Nos últimos tempos, perdi alguma da pujança com que prendia estas notas.
Não sei ao certo porquê.
Falta de inspiração, sei lá.
Tem-me faltado ânimo, talvez.

Sei que muitas vezes me lembrei destas teclas, pensando para mim próprio como acomodaria as palavras para descrever uma ideia, um sentimento ou uma observação.
Têm-me faltado o verbo e o adjectivo para descrever as paisagens que as ideias desenham no meu espírito... e têm sido tantas!

Foi necessário beber um trago de nostalgia concentrada para que voltasse a pregar aqui uma nota.
E, com os pêlos eriçados e crispado pela amargura no tremor das vozes que relataram desventuras, voltei à carga... mais virão!


Notas culturais:

Para ver: "Gente do Salto - Memórias de Portugueses que fugiram para França nos anos 60" de José Vieira, editado em 2005.

Noutro contexto (ou talvez não) para ler: "Estranho Numa Terra Estranha" de Robert A. Heinlein, editado pela primeira vez em 1961. Um Livro classificado na prateleira da Ficção Científica mas com uma vertente de análise social que lhe permitiria figurar noutras áreas.