27 março 2007

Tendinites...

Este assunto andava a moer-me o juízo, inconscientemente e sem qualquer razão aparente.
Na verdade só interiorizei a questão como uma preocupação quando um cardume de pré-adolescentes me perturbou um jantar, que tinha todos aqueles ingredientes para ser romântico.

Boa comida, boa bebida e uma vela acesa na mesa num espaço decorado com gosto e iluminado a meia-luz.
A companhia não podia ser melhor e a conversa estava agradável.

A sala era ampla e vários grupos jantavam, espaçados, numa noite de sábado que estava demasiado quente para ser de Inverno.
A maior parte das mesas agrupavam comensais em festas de aniversário.

A mesa maior estava reservada para a festa do décimo terceiro aniversário de uma pirralha qualquer.
O bando de jovens inconscientes que a acompanhava entrou, chilreando, de rompão no restaurante.
Acercaram-se da mesa e sentaram-se com espalhafato disputando os lugares entre eles.

O nível de ruído aumentou consideravelmente mas não se tornou insuportável.
Como disse, a companhia era a melhor e voltámos rapidamente à conversa.

A nossa comida foi entretanto servida e, no silêncio entre duas garfadas, foi impossível deixar de observar a trupe de putos emproados, de telemóveis em punho, exercitando os polegares.

As últimas gerações tecnológicas, os últimos gritos da moda adolescente, câmaras embutidas e ecrãs coloridos onde se mostram as fotografias.
Músicas são debitadas para os auscultadores enfiados nos ouvidos, toques e outros sons são partilhados por ligações sem fios.
As conversas giram em torno das capacidades dos pequenos aparelhos onde se mostram os retratos tirados no momento.

Isto desviou a minha atenção e a conversa resvalou para outro tema, porventura menos interessante.

A observação daquela dúzia em meia de projectos de pessoas levou-me à seguinte afirmação:
“– Os putos de hoje não sabem comunicar. Têm tudo, toda a tecnologia nas palmas das mãos, que lhes permite estar mais perto de tudo e de todos, mas não compreendem o que é comunicar.”

Realmente olhando para aqueles jovens, ainda crianças, constatei esse facto palpável.
Uns já andavam a cirandar pelo restaurante, dentro e fora, enquanto outros ainda comiam.
Uns e outros continuavam a mexer e remexer em telemóveis.
Alguns escutavam música, outros disparavam para mais um retrato, enquanto uns outros liam as últimas anedotas recebidas do vizinho do lado.

Fiquei chocado, tentando recordar-me se aos meus treze, quando saía com amigos para uma festa de aniversário, também demonstrava esta incapacidade.
As suas vozes misturavam-se mas os poucos excertos inteligíveis que me chegavam aos ouvidos eram ocos, desprovidos de conteúdo.

Depois foi uma rápida associação de ideias, que quase esgotavam a paciência da minha bela companhia.

As calinadas no português, fruto das tentativas de mitigar as tendinites nos pulsos e polegares, poupando caracteres preciosos nas mensagens de telemóvel e nas conversas na Internet.
O “K” substitui o “Q” e não só.
Dois pontos, parêntesis e outros sinais de pontuação valem mais do que as letras.

Mas mesmo em frases que perderam a sua estrutura, com palavras abreviadas e simbolismos gráficos – nada se diz.
O vazio de cultura é enorme e as gerações que agora se estão a educar cada vez se perdem mais nesse vácuo.

A tecnologia só por si não preserva o conhecimento, apenas os dados são armazenados.
O conhecimento é a interpretação das coisas e isso os jovens não sabem fazer.
A curva descendente aumenta o declive progressivamente.
Comparem com o que aprenderam os nossos pais nos primeiros anos de escola... e os nossos avós... aqueles que o puderam fazer.

Será o progresso a devorar os nossos neurónios?
Estará toda esta panóplia tecnológica a atrofiar os nossos cérebros?
Não seremos capazes de inverter a situação?

Saímos do restaurante, eu e a paciente mulher que me acompanhou...
Eu estava com vontade de pegar num livro... um qualquer só para sentir a textura do papel e ler umas linhas, um pedaço de prosa bem escrita ou um poema.
Já na rua, enquanto passeávamos de mãos dadas, apreciei o silêncio de uma noite tranquila, amena e perfumada a anunciar a Primavera.

De repente percebi qual é o defeito desta nova juventude – não sabe o que é o silêncio!

Fazemos silêncio para poder escutar.
Escutar os outros e o que nos rodeia, para podermos comunicar e aprender.



Dedicatória:
Esta pequena nota é dedicada a uma futura Educadora de Infância que tem a paciência necessária para educar os que vêm a seguir... e que faz o silêncio necessário para me ouvir.

12 março 2007

Pequeno nada...

 

O que é que vos faz sorrir?

Não estou a perguntar o que vos faz rir.
Toda a gente sabe. Só nos rimos do mal, ou da malandrice.

O que faz sorrir?

Nunca sorriram quando saiem de casa e cheiram a Primavera, numa qualquer manhã que promete um dia bonito?
Claro, eu sei, que choram logo a seguir por saber que têm de se enfiar num qualquer gabinete, fechado com ar condicionado.

Nunca sorriram quando se afundam nos lençóis numa qualquer fria manhã de Inverno, enquanto os raios e coriscos fazem das suas lá fora?
Obviamente que a acção seguinte é gritar, porque se apercebem que o despertador tocou há mais de meia hora e estão em risco de chegar atrasados.

Nunca sorriram enquanto lêem uma notícia interessante no jornal?
Antes de se aperceberem que está rodeada por notícias sangrentas.

Nunca sorriram quanto chega o instante de regressar a casa?
Instante anterior ao chefe vos convocar para uma reunião.

Nunca sorriram quando, na sexta-feira, o relógio marca a chegada do fim-de-semana?
Espreitam pela janela e vêem um magnífico pôr-do-sol, os dias estão mais longos e anunciam na rádio chuva para os dois dias seguintes.

Nunca sorriram a uma criança no autocarro, que vos espreita timidamente de soslaio?
Mesmo antes de serem apanhados, pela beata com que partilham o assento, a deitar-lhe a língua de fora.

Nunca sorriram a uma mulher bonita na rua?
Mais ainda quando ela vos sorriu de volta?
Para vos virar as costas e oferecer outro tipo de sorriso a alguém.

Nunca sorriram ao ver pardalitos atrevidos, aos pulos, a debicar migalhas numa esplanada?
Esvoaçando de mesa em mesa, antes de um pombo fazer das suas.

Nunca sorriram ao apreciar um par de borboletas, enquanto se perguntam como é que elas conseguem aterrar no mesmo sítio, sem se embrulharem uma na outra de forma irremediável? Ou como não ficam completamente zonzas?

Nunca sorriram ao ver o arco-íris?

Nunca sorriram sozinhos?

E não vos sabe bem sorrir?

E já se aperceberam da enorme quantidade de sorrisos que existem?
E como todo o corpo pode participar num sorriso?

Já notaram como é impressionante conseguirmos distinguir entre um sorriso e um mero esgar?
Ou como um simples trejeito tem, por vezes, mais significado que um sorriso rasgado?

É engraçado como até atribuímos cores aos sorrisos.
Eles vêm em amarelo, verde ou em cores mais neutras mas os meus preferidos são os avermelhados, numa face ruborescida, preferencialmente feminina.

Os sorrisos possuem luz.
Iluminam o espírito e mais do que isso.

Mas o que é o sorriso?
É uma coisa linda, não é?

Sorrir deve ser um traço de inteligência.
Afinal só sorrimos porque compreendemos algo.
Só sorrimos porque resolvemos pequenos enigmas que nos rodeiam.
Só Sorrimos porque não pensamos nas suas soluções.

Sorrimos porque apreciamos a simplicidade de um sorriso.
Sorrimos porque nos faz sentir bem.

Talvez seja instinto... não sei.

Digam lá... O que vos faz sorrir?

04 março 2007

Silêncio!...

Que se vai cantar o fado!

Esta foi uma frase que hoje não se ouviu. Não foi necessária. O silêncio impôs-se na sala quando as guitarras começaram a tocar e uma voz sentida se elevou.

Hoje confirmei que o Fado é mais do que a música. É o sentimento de um povo que, à sua maneira desajeitada, luta por uma vida melhor.

A alegria das pessoas que o ouvem e, especialmente, o carinho daqueles que se esforçam por trazer um pouco de Portugal aos portugueses cá fora, revelam a pureza do Fado na sua expressão mais singela e popular. E esse Fado dá gosto ouvir, sentir e saborear.

O silêncio que o antecede arrepia e as palmas que se seguem trazem as lágrimas da saudade.

Saudade de um país que escorraça os seus, que os faz emigrar.
Saudade dos lugares onde se cresceu, que já não se conhecem.
Saudade das vozes amigas, numa língua que já mal se fala.
Saudade dos sabores que a fome avivava.

No fundo saudade de nada.
Lágrimas derramadas por lembranças tristes.
Lágrimas de alegria por a vida voltar a sorrir.
Lágrimas por saber que não se pode voltar.
Lágrimas pela certeza que não se quer regressar.


Não sou capaz de ouvir Fado numa aparelhagem. Repudio mesmo as estrelas que o cantam, que nunca sentiram na pele o que é ser fadista...
Trilhar o mundo, labutar de sol a sol e morrer de pé longe da terra que os viu nascer.
Fado é destino... e fadistas os que o enganam.