28 novembro 2006

Língua viva...

Se toda a gente que é gente fala da TLEBS, porque é que eu não posso mandar também umas bocas?
Posta esta questão existencial, fui tentar perceber o que raio é que é a TLEBS.

Foi esta tarefa extenuante, um empreendimento na busca de novo saber, que me manteve afastado deste bloco de notas deste a última anotação.
Ou foi isso ou aquela última nota presa, com aquelas fotografias catitas, merecia mais um tempo de destaque.
Escolham a desculpa que menos vos afecta a forma como apreciam estas doidices que para aqui escrevo.

Após afadigada pesquisa, uma azáfama, cheguei à conclusão que TLEBS, ao contrário do que muitos pensavam, é a sigla da nova abordagem do Ministério da Educação de Portugal ao ensino da nossa Língua Materna... que é do lado da mãe portanto (deve ser uma tia avó que eu desconheço, os ascendentes daquele lado da família são numerosos).

Estava eu a dizer, antes de me distrair com a minha costela alentejana e me perder a contar as tias avós a quem fui obrigado a dar beijinhos nos últimos trinta e cinco anos, que a TLEBS é a nova técnica para o ensino do Português nas escolas.

TLEBS – Terrorismo Linguístico para os Ensinos Básico e Secundário – é a nova estratégia de combate ao analfabetismo dos pirralhos e pirralhas de Portugal.

Para não ferir susceptibilidades, numa altura em que o mundo receia dizer, escrever, ouvir e ler determinadas palavras, o Ministério da Educação, muito acertadamente, alterou a designação oficial da TLEBS para algo mais suave: Terminologia Linguística para os Ensinos Básico Secundário.

Eu nem sabia o suficiente para ter positiva na prova global, no final do secundário, mas mesmo que o meu nível de conhecimento, sobre a língua em que escrevo, fosse o bastante para que percebesse exactamente o que representam alguns dos conceitos que se aprendiam antigamente, não conseguiria nunca atingir o nível exigido para captar alguma coisa do que fala a TLEBS.
Notem que ao antigamente não me estou a referir à antiga Quarta Classe, que eu escrevo com maiúsculas por deferência, mas ao meu tempo de liceu, em que havia uns sujeitos, alguns predicados (uns mais próprios que outros) e muitas hipérboles, parábolas e outros conceitos matemáticos. Esta foi também a altura de alguns neologismos que sobrevivem ainda hoje e dos quais a minha geração, estupidamente, se orgulha.

Mas percebo a estratégia. A ideia luminosa, realmente brilhante, daquele grupo de estudiosos da língua é verdadeiramente astuta.
Eu sei que à primeira vista é difícil ter essa percepção mas, descontada a aversão natural ao desconhecido e à mudança, à medida que vamos compreendendo menos das novas terminologias, nomenclaturas e definições, inscritas no documento que o Ministério pretende impor, a coisa começa a fazer sentido. A sério!
À medida que as explicações, elucidações, explanações e esclarecimentos propostos pelo grupo de trabalho dedicado a ajudar os ignorantes professores, alunos e curiosos que, coitados, não percebem patavina do que eles querem dizer com aquilo, a coisa vai ficando mais clara. Mesmo!

A minha teoria é simples, eles querem acabar com o mal pela raiz.
Ou seja, se um dos problemas identificados é a ignorância, por parte de alguns alunos e professores, das boas regras gramaticais, sintácticas e semânticas, da bela Língua que é o Português, com a introdução desta estratégia de guerrilha, ou terrorismo, o ministério assegura que todos os outros que ainda sabem o que é um substantivo, ou mesmo um advérbio, vão deixar de saber. Nivela-se o sistema.

A outra hipótese, não desprezável, é interpretar estas ideias chanfradas como um processo psicológico.
No fundo eles estão a tentar motivar alunos e professores.
Subtil e sub-repticiamente, ao inventarem estes nomes novos e estas novas ferramentas de dissecação linguística, eles introduzem nas cabecinhas frescas dos alunos a ideia de que: “Porra pá! É muito mais melhor bom aprender a gramática velha! Se os gajos acham que a gente não precebe nada do assunto ainda vão prá frente com a reforma e metem pra lá aquelas patacoadas e então é que ninguém precebe peva!”

Eu, sinceramente, estou mais inclinado para a hipótese de querer nivelar a coisa. Afinal acaba tudo por ser uma questão estatística, se houver boas notas a Inglês e a Francês até afirmamos que nos estamos a integrar na Europa e a mergulhar de cabeça na Globalização.

A árdua pesquisa efectuada demonstrou-me, sem margem para dúvidas, que a TLEBS não se debruça só sobre o estudo da língua. É muito mais abrangente que isso! Fala também sobre a Fauna, a Flora e a Fé(1), classificando, por exemplo, as aranhas como animais inferiores e deixando a nossa fé determinar se as plantas e alguns bichos são animadas ou inanimadas(2).
Infere ainda sobre a biologia e a variação de sexo dos animais... aos humanos não o admite(3).
Pode-se aprender muito lendo apenas o compêndio de perguntas frequentes!(4).

Percebi que a TLEBS serve ainda outro propósito nobre e elevado: ser assunto de chacota em colunas de jornais e revistas, servir de tema a tipos como eu, desinspirados.

Outra característica importante da TLEBS é a demonstração de que é possível escrever e falar em Português sem que os portugueses percebam.

Entretanto, o Terrorismo Linguístico parece que veio para ficar. As editoras de livros escolares, tal como as empresas que fabricam equipamentos de segurança, aumentaram já as linhas de produção para responder ao enorme volume de negócio que estas medidas drásticas anunciam. O clima do medo instala-se.

Resumindo, parece-me a mim que é tudo uma evolução natural. Afinal os romanos também consideravam o Latim uma língua viva.



Notas numeradas:

(1) - Três efes lembram-me qualquer coisa... o primeiro a adivinhar, em quais os efes que me passaram pela cabeça, ganha um doce.

(2) e (3) - Além dos endereços, transcrevo os excertos, em que me baseei para retirar as minhas brilhantes conclusões, antes que eles se apercebam das piadas que escreveram e bloqueiem o acesso.
São apresentados por ordem:

http://www.dgidc.min-edu.pt/TLEBS/CDPerguntasFrequentes/B3-005.htm
“A classificação atribuída às plantas, como aos animais inferiores (ex. aranhas), depende muito do conjunto de crenças individuais e das características culturais de uma sociedade.”

http://www.dgidc.min-edu.pt/TLEBS/CDPerguntasFrequentes/B3-008.htm

“Os nomes epicenos e os sobrecomuns não têm as mesmas propriedades. Embora os dois tipos refiram nomes de entidades animadas, passíveis de distinção de sexo, os epicenos referem animais e admitem variação de género realizada por composição (cf. cobra-macho, cobra-fêmea) e os sobrecomuns referem entidades humanas e não admitem qualquer tipo de variação de género.”

(4) - O endereço para as perguntas frequentes:
http://www.dgidc.min-edu.pt/TLEBS/CDPerguntasFrequentes/001.htm

Onde se encontram algumas verdadeiras pérolas, por oposição às pérolas artificiais ou criadas em viveiros.
Refiro que nem tudo é mau... eles também propõem simplificações a coisas complicadas, veja-se o exemplo em:
http://www.dgidc.min-edu.pt/TLEBS/CDPerguntasFrequentes/B4-002.htm


Para quem tiver mesmo paciência, e para parecer que fiz uma vasta pesquisa:

http://www.dgidc.min-edu.pt/TLEBS/terminologia.asp


http://www.dgidc.min-edu.pt/TLEBS/GramaTICa/gramatica.htm

http://www.dgidc.min-edu.pt/TLEBS/CDMateriaisDidacticos/tlebs_mat_exp.htm

17 novembro 2006

Rituais...

Hayat Uma dançarina semi-profissional procurava para o seu grupo um guarda-costas, para conseguir manter na linha alguns homens e provavelmente também algumas mulheres, durante e depois das suas actuações.
Este é um grupo composto, acho eu, exclusivamente por elementos femininos, que se dedica a divulgar as danças orientais e outros estilos exóticos semelhantes.

Esta necessidade de protecção externa é, quanto a mim, paradoxal.
Não é a dança uma forma explícita de provocação? Uma evolução natural e um aperfeiçoamento de rituais de acasalamento que estão encrostados no nosso subconsciente animal?

Ora, as meninas com umbigos à mostra, que abanam sensualmente os rabinhos e outras partes protuberantes dos seus corpos, ao som de músicas hipnóticas, não podem esperar que todos os machos que assistem ao espectáculo se comportem devidamente.
Claro que uns resistem melhor que outros aos instintos primários, mas qual seria o objectivo de quem inventou essas danças?

Agora chamam a este tipo de demonstrações da natureza – manifestações culturais. Neste domínio, como noutros, a humanidade tenta disfarçar as suas origens e contrariar os postulados de Darwin mas, como se vê pelas reacções das plateias a estes espectáculos, não se podem negar os factos nem repudiar a natureza.Hayat

À excepção da dança da chuva, criada com propósitos bem definidos que nada têm a haver com o acasalamento, e do folclore que, salvo raras e honrosas excepções, é composto por lindas mulheres de barba rija e bigode que não precisam de guarda-costas, todas as outras danças são provocatórias!

Embora os homens prefiram provocar as mulheres com outros tipos de actividades, é certo que não são só elas que provocam com a dança.
Eu não compreendo muito bem o fenómeno, mas uma grande maioria das mulheres trepa às paredes ao ver o Joaquim a bater com os saltos altos no chão e a fazer salamaleques com as mãos.

Por razões óbvias eu não escolheria o flamenco. Escolheria uma daquelas danças sul americanas em que se pode dar um uso mais sensato às mãos – o tango.

Não sei qual a opinião dos estudiosos, historiadores e outros que tais, sobre as origens dessas danças. Tenho a sensação de que os primeiros homens a dançá-las, fizeram-no com o instinto protector mais primário – proteger o direito à procriação.
É fácil imaginar uma bela mulher, comprometida, dançando com uma racha no vestido ao som da concertina, ser alvo da cobiça de outros homens que não o seu.
É também possível imaginar o homem a tentar proteger a sua conquista, chegando-se à frente e acompanhando a dança, mostrando de forma clara à concorrência que é o eleito.

A dançarina, que referi ao início, afirma que o tango é sexual e por isso muito violento.
Esta consideração dá azo a várias interpretações e pode ser, só por si, tema para muitas longas conversas.
Para concordar parcialmente com esta teoria, posso admitir, que o tango é de uma grande violência física.
Mas considero mais grave a violência psicológica, crua e sem pudor, que as senhoras das danças orientais praticam sobre a assistência.

Qualquer homem compreende que um par que dança um tango forma um todo completo e fechado. Mas assistir a um conjunto de corpos femininos ondulantes, sem lhes poder tocar, pode ser demasiado duro.
Hayat

Um homem, ou uma mulher, não gosta de tango normalmente por ciúmes.
Um homem, mesmo que dê outras desculpas plausíveis, não gosta de danças orientais porque não pode fazer mais do que ver e imaginar.


 
Anotem que eu prometi publicidade:
http://www.dilshadance.pt/

E as meninas estão disponíveis para apresentar o seu trabalho em animações e espectáculos.
O grupo está descrito aqui:
http://www.dilshadance.pt/judite.php?a=5

16 novembro 2006

Água-pé...

Esta história da globalização afinal até nem é difícil de visualizar.
Eu até já nem era contra, pois creio que a globalização abre uma infinidade de oportunidades e permite-nos sonhar com a conquista do mundo, como já não sonhávamos desde os descobrimentos.
Aliás os portugueses são dos primeiros responsáveis pela globalização. Depois de vários impérios surgirem e cairem nesta região restrita que vai da Pérsia à Mauritânia, os oceanos que separavam o mundo acabaram por o unir.

Esperem, este foi um raciocínio demasiado rápido, estou um pouco perdido... deixem-me descançar um bocadinho e pensar no que é que eu queria dizer...

Ah! Já sei!

Quando se pensa na globalização, esta está, normalmente, relacionada com a economia.
O aquecimento global também é um efeito globalizado mas ainda não está bem absorvido globalmente.

Mas a globalização é mais que isso... é a convergência de costumes e cultura.

Discute-se agora por aí o futuro da Europa e o seu papel no mundo.
Devido ao seu peso económico e sobretudo à sua história, a Europa, como um todo, como União, é ainda respeitada. Mas cada país europeu tem o seu passado e orgulho histórico e não é capaz de assumir compromissos que possam abalar as suas fundações e muito menos as suas crenças e costumes.
Isto é uma falácia, uma Europa unida não implica que os países que a formam abdiquem das suas identidades, mas exige realmente uma maior abertura cultural.

Devo estar mesmo bêbado para me por a divagar sobre isto a estas horas.

A justificação é simples, descobri a prova final que os povos europeus têm as mesmas raízes, sejam elas latinas ou góticas. A distância temporal a que nos encontramos dessas origens permitiu à Europa criar uma mistura fina de cultura, como na criação de um bom vinho onde as castas são seleccionadas e misturadas nas proporções adequadas.

Pois é exactamente o vinho, ou a tradição vinícola, que me faz divagar sobre este assunto.

Hoje, a terceira quinta-feira de Novembro, é o dia da chegada do Beaujolais Nouveau, um vinho novo, pisado este ano, numa região ao redor de Lyon, na França.
É um acontecimento nacional, se não mesmo mundial, quando segundos depois da meia-noite, milhares de garrafas deste vinho começam a ser distribuidas por toda a França e são exportadas para os lugares mais recônditos do mundo.

Este vinho é considerado, mesmo pelos nativos, como horrível, mas o ritual que se faz ao seu redor leva a que o seu consumo seja obrigatório.
Come-se e bebe-se entre amigos... Onde é que já vi isto?

Ora, isso mesmo - água-pé - a primeira abertura dos barris com a colheita do ano, aquela mixórdia fraquita que é consumida a granel acompanhada de castanhas.
O mesmo sabor a uvas mal fermentadas. A mesma festa em volta dos enchidos e outros sabores activos para disfarçar o gosto azedo do líquido grená.

Não é verdadeiramente um magusto de S. Martinho, não há tanta castanha nem jeropiga, mas há o mesmo espírito.

As pequenas diferenças que nos separam são ultrapassadas pelas semelhanças que nos unem. Afinal somos europeus, integramos uma comunidade maior e representamos um enorme legado cultural no mundo, numa sociedade globalizada.
É uma responsabilidade, não necessariamente um fardo.

...

Não sei se escrevi alguma coisa de jeito... não estou em condições de rever o texto.
Não provei o Boujoulê Nuvou do ano passado, mas o desde ano até nem é mau.
Os indígenas que me acompanharam nesta expedição cultural referem, após esvazearmos umas garrafitas, que já beberam muito pior, que este até se assemelha a vinho.
Racho reforçado que termina com aguardente destilada do mosto...
hum... falta a integração de um marco incontornável da cultura espanhola - la siesta.

E2-E4...

E o primeiro soldado avança pelo campo de batalha contra o inimigo!

A surpresa no acampamento hostil dissipa-se depressa, as hostes agitam-se e pegam nas armas. Um soldado dá dois passos à frente empunhando a espada, incitando os companheiros.

Mais homens a pé se lançam pelo campo, de um lado e doutro, sob as vozes de comando dos generais, orientados pelos seus estrategas.

Uns e outros aceleram o passo ao aproximarem-se. O choque é violento, é brutal!
Digladiam-se na planície e dão a vida, lutando por causas que não compreendem mas que tomam como suas.

A artilharia está demasiado distante, ainda não se faz ouvir.

Avança a cavalaria, fazendo tremer a terra, marcando os cascos no solo, convergindo dos flancos para o centro, onde se abriram as primeiras brechas nas linhas de infantaria.

Na retaguarda procedem-se a ajustes de posicionamento, protege-se a corte.
E os canhões ecoam com estrondo!
As paliçadas sofrem os primeiros rombos.
Na planície o sangue mistura-se com a lama.
Os uniformes já mal se distinguem.
Os estandartes que ondulavam, orgulhosos nas pontas das lanças, e se agitavam em sinal de ameaça, arrastam-se pelo chão debaixo dos pés dos que combatem e dos corpos dos que tombam.

E um dos lados recua, sofreu já demasiadas baixas, tenta proteger o seu último reduto com as altas patentes que sobram.
E o outro lado avança, a sua estratégia está a dar os seus frutos e as elites querem colhê-los pessoalmente.

Num último acto de coragem um sacrifício é feito, mas logra apenas atrasar um pouco a derrota eminente.
O cerco aperta-se, o último golpe é dado.
Soam as trombetas e os clarins! Grita-se vitória! Chora-se a derrota!
E a brisa transporta o cheiro da batalha anunciando-a ao mundo.

As origens desta batalha confundem-se com as origens do tempo mas continua a ser travada com a mesma ferocidade.

Perdi o jogo, mas não guardo mágoa nem rancor pois foi bem jogado.
Jogo que foi jogado sem peças, num exercício para mim inédito.
Auxiliado apenas por uma cábula, onde anotava as jogadas que eram debitadas ao estilo da batalha naval, e por um pequeno desenho de uma matriz oito por oito, bati-me como pude com um adversário superior.

Gostei da experiência, tenho de agradecer ao meu oponente o desafio e pedir que me conceda a possibilidade de desforra.

14 novembro 2006

Pontes...

Num pavilhão que me fez lembrar o saudoso mas já arrasado Dramático, estavam montados um palco e uma enorme parafernália de luz e som, enquadrados por cortinas negras, que prometiam encandear e debitar muitos decibéis.

Com cervejas nas mãos tagarela-se alegremente entre amigos, enleados em novelos de fumo hipnotizante, enquanto se aguarda pela subida ao palco de uma banda que foi cabeça de cartaz no Japão, no Verão de 1972.

O chão e o peito vibram com as frequências do baixo e os efeitos do órgão, os pés batem o ritmo do bombo, a cabeça agita-se com o solo de guitarra, braços erguidos, olhos semi-cerrados e os lábios a declamar palavras mudas.
A música estridente, com a batida bem forte, faz saltar... gritam-se as palavras que sabemos num inglês que não se ouve... fazemos parte do espectáculo e sentimo-nos bem!

Alguém enrola um charro, alguém acende um cigarro, alguém se embebeda, alguém grita, alguém ri, alguém beija... rituais que se repetiram no passado e se repetem no presente.

Tiro-lhes o chapéu e faço-lhes uma vénia. Quase com idade para serem meus avós, os Deep Purple e outros que como eles passeiam a sua música e virtuosismo pelo mundo durante anos e décadas, são ainda capazes de construir pontes entre gerações dissonantes e mostrar-nos que há muito para aprender de quem nos tem para ensinar.
Já não se faz música assim... mas ainda se ouve música assim.


Notas:
Este concerto dos Deep Purple foi hoje, no Palais Nikaia em Nice, França. Talvez não como foram os concertos de Osaka e Tóquio em 1972, que deram origem à gravação ao vivo mais vendida de sempre, mas com brilho.

DramáticoO antigo pavilhão do Grupo Dramático e Sportivo de Cascais acolheu vários concertos da pesada e muitos músicos e grupos emblemáticos, a lista seria demasiado grande para aqui ser esmiuçada.

Já me perguntei várias vezes: Qual o grupo ou artista que, chegado há pouco ao topo, continuará a juntar multidões daqui a 30 anos? Afinal se a geração cota sabia e sabe o que é música... podiam tentar evitar que os netinhos ouvissem coisas menos próprias aos ouvidos, não censurando mas mostrando o que é bom.
Entusiasmo não falta, tal como o Calvin a ouvir os canhões da 1812, haverá por aí muito miúdo a querer ouvir música clássica... basta tirarem-na do baú e limparem o pó, que mesmo empenado o vinil ainda toca.
Aumentem bastante o vOLUME! ELES VÃO CURTIR!!!

12 novembro 2006

Língua morta...

Ontem, sentia a minha garganta um pouco sensível ao engolir e a minha testa latejava com uma pequena dor de cabeça, resolvi fazer um chá.

Aqueço água numa caneca no micro-ondas e pespego-lhe uma saqueta de chá preto. Aguardo uns instantes, enquanto a água ganha o aspecto escuro de um chá forte. Adiciono não uma mas várias colheres de açúcar.
(Antes que pensem alguma coisa exagerada sobre o meu gosto pelo doce, asseguro-vos que não eram colheres de sopa mas sim colheres de chá, não estavam cheias e não juntei mais de cinco.)

Provo a infusão com a colher, está ao meu gosto, só talvez ligeiramente doce demais, pego na caneca e levo-a boca. Um golo basta para queimar a língua ao ponto de a tornar dormente.
Sabem como é? As papilas gustativas deixam de sentir seja o que for e o céu-da-boca nem parece o mesmo.
É irritante! A sensação dura umas horas, por vezes mais do que um dia.
Este enervante episódio é, de alguma forma, recorrente, volta que não volta pumba, se não é com o chá é com o café ou com a primeira garfada do arroz de polvo malandrinho.

Com a língua entorpecida e insensível aos sabores, cheguei à conclusão que o paladar é supérfluo.
Não preciso do paladar para trabalhar nem para comer, a fome continua a mostrar os seus sinais.
Pensem no que poderiam fazer sem o paladar. Tudo! Até chefes podem trabalhar sem paladar, aquilo é só seguir as receitas.
E se não tivéssemos o paladar tão desenvolvido, espécies como o esturjão ou o bacalhau não estariam neste momento em perigo. E provavelmente as taxas de obesidade seriam um pouco inferiores.

O paladar até pode ter servido, em tempos já longínquos, o seu propósito – evitar que os homens e as mulheres das cavernas ingerissem alimentos venenosos ajudando à triagem do que é bom e mau para ser comido. Mas hoje serve simplesmente o prazer e a gula.

Mais, o paladar é um sentido parasita, necessita para funcionar em pleno de pelo menos mais um dos outros quatro sentidos: o cheiro.
Sem cheiro as nossas papilas são apenas capazes de distinguir o salgado, o doce, o picante e o amargo.
A comida só faz jus a toda a sua riqueza e multiplicidade de sabores se o nariz estiver a funcionar em pleno. E há quem diga que os olhos também comem, não os meus porque há belos sabores escondidos em pitéus com mau aspecto.

Notem que eu não me queixo poder saborear, pelo contrário, aprecio bastante diversas iguarias e confesso a minha dependência crónica de algumas delas.
A constatação de que o paladar não é essencial à vida não passa disso mesmo, uma simples constatação. Não penso organizar nenhum movimento de abolição da língua, ou a favor de modificações genéticas com vista à eliminação das papilas gustativas.

08 novembro 2006

Metades...

Pelas minhas contas, feitas assim à pressa e a contar pelos dedos, quarenta e nove cêntimos é menos de metade de um euro e quinze cêntimos. Talvez não seja muito menos mas acho que é menos.
Um respeitado jornal, à venda nas bancas portuguesas e disponível na rede global, desmente-me em público, esclarecendo ainda os seus leitores que além de 49 cêntimos serem claramente mais de metade de 1 euro e 15 cêntimos, 47 mil euros representam mais de metade de 110 mil.

No contexto a notícia peca por defeito, ou seja, chegamos à conclusão que se a coisa for para a frente vamos pagar menos do que mais de metade do preço médio dessa coisa. Com este efeito surpresa a jornalista dá algum alento aos portugueses, que sabem que o Orçamento de Estado, agora em discussão, conterá erros de interpretação numérica semelhantes aos que eu cometi. Será por estes números terem dois ou mais algarismos?

Mas enfim, isto desanima. Tenho a sensação que os jornalistas que andam pelas redacções dos jornais não fizeram sequer a quarta classe. Se a fizeram foi a cabular.
A língua portuguesa é enxovalhada e a matemática é engendrada à martelada.

Mais haveria para dizer sobre os conteúdos noticiosos dos jornalecos que por ai circulam. Mas para finalizar este assunto e porque não quero ser considerado pela Amnistia Internacional como desrespeitador dos direitos dos animais, pois já é não é primeira vez que casco nos jornalistas, afirmo apenas que, com a influência que a comunicação social possui nos tempos que correm, percebe-se que os putos não saibam fazer contas, interpretar números ou escrever português correctamente.

Estes assuntos provocam-me azia.
Desculpem o incómodo mas esta notícia foi apenas o pretexto que precisava para destilar algum azedume.

A notícia que referi encontram-na aqui:
http://jn.sapo.pt/2006/11/08/primeiro_plano/preco_roaming_pode_cair_para_mais_me.html

07 novembro 2006

Aterragem...

Após uma pequena pausa, de um pequeno silêncio, em que as notas esvoaçaram em busca de inspiração e escaparam da gaiola que é o meu crânio, sem que tentasse prendê-las, volto a tentar laçá-las.
Mesmo voltando à carga com aquela nostalgia própria do fim das coisas, em particular do fim das férias, espero que não me tolde o engenho nem a arte, que são já ínfimos por si sós.

Li algures, ou terei apenas escutado uma qualquer conversa transviada, que a entrada em Lisboa é das mais bonitas e emocionantes do mundo. Isto referia-se ao tempo das naus, quando passavam a barra do Tejo em busca de porto seguro, com os porões atafulhados de especiarias e sedas, onde antes seguiam pólvora e munição para canhão.

Descontando a óbvia parcialidade deste marinheiro de água doce e porque nem sequer sou alfacinha, afirmo, sem desprimor de outras belas terras do cantinho solarengo1 que ocupa o uns poucos quilómetros quadrados no sudoeste da vasta Europa, que as entradas de Lisboa são um encanto, um feitiço.

Claro que parados no trânsito num dia de chuva, encerrados num comboio a parar em todas, ou entalados num autocarro abafado e cheio de odores estranhos, o feitiço parece um bruxedo e o encanto desvanece-se num desespero. Entrar em Lisboa todos os dias também nos torna imunes à beleza das coisas, satura a nossa retina.

Há, naturalmente, algumas entradas de Lisboa que permitem encarar a cidade com melhor disposição que outras e a interpretação da sua beleza depende do contexto e de muitos conceitos subjectivos, mas permitam-me os devaneios que se seguem.

Pelo viaduto do Engenheiro...

Onze da noite perto da meia-noite, pouco trânsito a descer a auto-estrada, pelo meio da floresta, em direcção a Lisboa. De quatro faixas passamos a duas e, pouco depois, o ressalto duma junta de dilatação assinala-nos a entrada no viaduto Duarte Pacheco. A desaceleração, provocada pelo espanto da vista desafogada sobre o vale, coloca-nos abaixo do limiar do excesso de velocidade. Olhamos à direita e notamos o arco do tabuleiro da 25 de Abril e a curva do viaduto de Alcântara. Olhamos à esquerda e as pedras, as brancas e as sujas, do aqueduto são realçadas por uma iluminação bem colocada. No alto do monte seguinte três torres de vidro sublinham a modernidade da cidade. Subimos, a esta hora as obras eternas não incomodam o tráfego, e descemos para o coração da cidade. E dali vamos para onde quisermos.

De Sul para Norte...

Já passa da hora de almoço, o abrandar do autocarro e a fome, despertam-me aos poucos de um sono solto. O pára arranca em direcção à portagem é desconfortável. Está calor. Procuro ajustar o fluxo de ar sobre o meu assento, desisto. Volto a fechar os olhos. Sinto o autocarro arrancar novamente e desta vez ganha um pouco mais de velocidade. Um zumbido surdo provoca uma vibração que me sobressalta, desvio a cortina e o sol cega-me. Deixo a minha vista adaptar-se à luz exterior percorrendo a paisagem. Estamos altos sobre o rio. Mesmo com a bruma provocada pelo calor vejo ao longe a Serra de Sintra, parece pequena, desproporcional. Olho para mais perto, para os recortes da orla costeira. Oeiras, Caxias, Algés, Belém. A torre do porto é um recorte inclinado. A torre de Belém custa a ver pelo seu tom claro. O padrão está mais perto. Os Jerónimos e o Centro Cultural formam um conjunto estranho. A antiga fábrica de electricidade e a cordoaria são os elementos de destaque quando espreitamos mais para baixo, já depois do segundo pilar. Olho pela janela do vizinho, à direita, e a basílica surge de relance. Ciprestes altos crescem verdes, escuros, por entre fileiras de pedra clara. Volto-me para o meu lado ainda a tempo de ver o palácio da Ajuda, antes do autocarro se desviar para apanhar a avenida Calouste Gulbenkian. O aqueduto, onde as águas correram livres, ergue-se por cima das nossas cabeças, num grande arco ogival, feito à medida da estrada. Uma mesquita e uma praça com calhaus numerados no meio de um relvado. Mais uns semáforos, uma estátua do Duque da Terceira, chegada ao destino: terminal rodoviário na Casal Ribeiro2.

De Norte para Sul...

Final de tarde, quase lusco-fusco, o sistema de som do alfa avisa que a próxima estação é a gare do Oriente e o comboio começa a abrandar. Viajando de costas voltadas para a frente, espreito pela janela e vejo uns edifícios novos, com uma arquitectura recente. Umas altas palmeiras brancas, troncos de metal e folhas de vidro, cobrem as plataformas da estação onde o comboio parou. Está de chuva, o espaço não parece abrigado, mas é consistente com o que o rodeia e agradável ao olhar. O comboio apita e segue a sua marcha. Agora mais devagar, outros edifícios novos e outras estruturas metálicas enquadram o panorama. Aqui e ali cores garridas e desenhos abstractos. Novo aviso: Santa Apolónia. Desembarque. O antigo edifício da estação terminal contrasta com a novidade da estação anterior. Este podia ser um cenário para um filme de mistérios ou de amores.
Saída para um largo, mastros de um navio atracado e colunas de um museu... Lisboa.

Subindo o rio...

Passa pouco das sete e meia da manhã, os primeiros raios de um sol ainda submerso coram o céu à nossa frente. Alinhamos com o sinal vermelho da Gibalta e o verde do Bugio, Espichel e São Julião continuam com as suas intermitências mas já ignoramos as suas luzes. Olho para lá da proa e avisto os dois pilares da ponde suspensa, as suas luzes ainda brilham, brancas, como estrelas, dependuradas nos seus cabos de aço. Os reflexos laranja intensificam-se. A bombordo uma torre com um baluarte apetrechado para a guerra, um padrão, um mosteiro, uma capela no alto da colina. Dou conta que a iluminação pública cedeu o seu lugar à luz amarelada do sol que desponta no horizonte, sob o tabuleiro da ponte, encandeando a vista por breves momentos. O traço de colinas surge nítido, contrastando com o clarear do céu. É Novembro, a frescura matinal agride a minha cara, mas não me consegue despertar do sonho. As alucinações sucedem-se, monumentos com cúpulas brancas, como que nos transportam para outros tempos, castelo sobranceiro que nos impõe o respeito da idade e, passado um estreito, por baixo da grande ponte metálica, estamos de novo no mar. Acolhidos de braços abertos por Cristo, chegámos a Lisboa!


Lisboa, cujas colinas ondulam altivas na orla de um rio e se espraiam para o mar da palha, tem um exotismo próprio que deixa a sua marca no incauto visitante.


Anotações:
1 Com as cargas de água que se abatem sem piedade por todo o país, seriam levados a criticar a escolha da palavra "solarengo", sorriam apenas e lembrem-se que se amanhã chove noutro dia há-de fazer sol.
2 O terminal da Rodoviária Nacional já não é aqui. Aliás, a Rodoviária Nacional já não existe! Da cave da Casal Ribeiro, a Rede de Expressos saiu para, temporária e ilegalmente, ocupar um espaço no Arco do Cego, de onde saltou para Sete Rios, em frente ao Jardim Zoológico.



Nota final:
Faltou escrever: Pelo ar...
Essa tem várias aproximações. Talvez aterre noutro dia...