08 outubro 2006

Teoria e prática...

Há uns dizeres famosos que dizem que a teoria e a prática costumam andar às avessas, dizem que mesmo que não estejam de costas voltadas, não são propriamente aliadas.
Claro que estas frases estão sempre ligadas ao contexto em que são apresentadas, mas têm aplicações variadas. Seguem assim:

"Na teoria toda a gente sabe tudo mas nada funciona.
Na prática tudo funciona e ninguém sabe porquê.
Aqui a teoria e a prática estão interligadas:
Nada funciona e ninguém sabe porquê."

O problema daquilo que acontece com a teoria é a tendência para simplificar.

Exemplo clássico: o ensino da física.

Nas primeiras aulas de física sobre o movimento é comum utilizarem-se algumas simplificações. Ignorar a força de atrito ou arredondar a aceleração gravítica são simplificações normalmente bem acolhidas pelos pupilos.
Depois, claro, a coisa vai-se complicando mas, quando já temos matemática que chegue para perceber as equações de Lagrange, dizemos que podemos ignorar meia dúzia de forças circundantes só para simplificar os cálculos.

Exemplo comum: na engenharia civil.

Um amigo meu, que é neste momento engenheiro civil, dizia, com algum orgulho, que os dimensionamentos que lhes ensinavam nas aulas provavelmente nunca seriam a causa da queda de pontes ou outras estruturas.
A ideia pelos vistos é simples, nem sei como é que não é aplicada noutras áreas. Dimensiona-se a coisa, a ponte por exemplo, para um determinado volume de tráfego (o problema é que ninguém sabe o que é que os camiões transportam ou se respeitam os limites de peso e a polícia não pode andar a verificar a tara e o peso bruto de tudo o que passa na via), a esse valor acrescenta-se uma margem de segurança (também conhecida por "coeficiente de cagaço") e depois, não vá o diabo tecê-las, multiplica-se por dez.
Reparem que este método justifica as derrapagens nos custos de muitas obras desta natureza, aparentemente quem faz o orçamento não aplica a última regra.

Exemplo absurdo (mas verdadeiro): o valor de pi.

Um estado americano (claro) tentou (e quase conseguiu) passar uma lei, há já alguns anos, em que o valor de pi não era irracional. Afirmava, portanto, que a quadratura do círculo seria perfeitamente possível se pi assumisse um dos seguintes valores: 3,2; 3,23 ou 4.
Estão a imaginar os pneumáticos nas viaturas a não servirem nas jantes? Ou as porcas das rodas a não coincidirem com os buracos?

Com a quantidade de simplificações impostas à teoria é natural que a prática saia um bocado ao lado do que seria de esperar.

O problema da prática já é outro, aliás, normalmente é o oposto ao da teoria: é tudo muito complicado!

Porque é que raio o valor da razão do perímetro de uma circunferência sobre o seu diâmetro teria de ser um valor com um número de casas decimais infinito?
Será que seria mesmo necessário que o campo gravítico não fosse regular e ainda sofrêssemos influências (maiores ou menores) de todos os outros corpos celestes?
E o depois se fizermos as contas com a as equações da relatividade, mesmo a que não é restrita, chegamos à conclusão que até o Albert teve de simplificar, usando uma constante que nem ele sabia justificar muito bem e que já se veio a descobrir ser variável (embora não muito).

É por estas e por outras que enfim... é difícil conciliar as coisas.

Uma última nota, antes de querem reformular todo o sistema de ensino por causa disto...

É certo que muitas vezes aquilo que se ensina, ou é possível ensinar, na teoria nem sempre bate certo com a prática, mas a realidade é que muitos dos conceitos com que nos martelam a cabeça ficam retidos nos nossos neurónios e acabam por ser assimilados até ao ponto de um dia se tornarem úteis.

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