12 novembro 2006

Língua morta...

Ontem, sentia a minha garganta um pouco sensível ao engolir e a minha testa latejava com uma pequena dor de cabeça, resolvi fazer um chá.

Aqueço água numa caneca no micro-ondas e pespego-lhe uma saqueta de chá preto. Aguardo uns instantes, enquanto a água ganha o aspecto escuro de um chá forte. Adiciono não uma mas várias colheres de açúcar.
(Antes que pensem alguma coisa exagerada sobre o meu gosto pelo doce, asseguro-vos que não eram colheres de sopa mas sim colheres de chá, não estavam cheias e não juntei mais de cinco.)

Provo a infusão com a colher, está ao meu gosto, só talvez ligeiramente doce demais, pego na caneca e levo-a boca. Um golo basta para queimar a língua ao ponto de a tornar dormente.
Sabem como é? As papilas gustativas deixam de sentir seja o que for e o céu-da-boca nem parece o mesmo.
É irritante! A sensação dura umas horas, por vezes mais do que um dia.
Este enervante episódio é, de alguma forma, recorrente, volta que não volta pumba, se não é com o chá é com o café ou com a primeira garfada do arroz de polvo malandrinho.

Com a língua entorpecida e insensível aos sabores, cheguei à conclusão que o paladar é supérfluo.
Não preciso do paladar para trabalhar nem para comer, a fome continua a mostrar os seus sinais.
Pensem no que poderiam fazer sem o paladar. Tudo! Até chefes podem trabalhar sem paladar, aquilo é só seguir as receitas.
E se não tivéssemos o paladar tão desenvolvido, espécies como o esturjão ou o bacalhau não estariam neste momento em perigo. E provavelmente as taxas de obesidade seriam um pouco inferiores.

O paladar até pode ter servido, em tempos já longínquos, o seu propósito – evitar que os homens e as mulheres das cavernas ingerissem alimentos venenosos ajudando à triagem do que é bom e mau para ser comido. Mas hoje serve simplesmente o prazer e a gula.

Mais, o paladar é um sentido parasita, necessita para funcionar em pleno de pelo menos mais um dos outros quatro sentidos: o cheiro.
Sem cheiro as nossas papilas são apenas capazes de distinguir o salgado, o doce, o picante e o amargo.
A comida só faz jus a toda a sua riqueza e multiplicidade de sabores se o nariz estiver a funcionar em pleno. E há quem diga que os olhos também comem, não os meus porque há belos sabores escondidos em pitéus com mau aspecto.

Notem que eu não me queixo poder saborear, pelo contrário, aprecio bastante diversas iguarias e confesso a minha dependência crónica de algumas delas.
A constatação de que o paladar não é essencial à vida não passa disso mesmo, uma simples constatação. Não penso organizar nenhum movimento de abolição da língua, ou a favor de modificações genéticas com vista à eliminação das papilas gustativas.

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