22 janeiro 2013

Devia ter desconfiado

A máquina está desligada, a luz fluorescente da sala ainda está acesa. Trocam-se cumprimentos – bons-dias – afinal é Domingo – são feitas as introduções – mas confesso que não me lembro do nome da senhora que vai operar o aparelho – a minha mulher lá se ajeita na marquesa e os procedimentos começam: “– Apague a luz por favor.”

É a primeira ecografia, terão passado apenas algumas semanas de enjoos e desejos gastronómicos absurdos a horas indecentes, está na hora de perceber o que é que se passa afinal, ali dentro daquele ventre que começa a arredondar.

O ecrã está ainda negro, com umas linhas e uns números desenhados de que não consigo tirar sentido. Até aqui tudo parecia estar a acontecer devagar. Tudo parecia estar a ser congeminado para me tranquilizar e estavam a suceder. Com a luz apagada, àquela hora de Domingo(1), só não adormeci porque estava de pé... e porque talvez me ficasse mal.

De repente, sem aviso, forma-se uma imagem em tons de cinza no ecrã. É a primeiríssima imagem de todas! Ali está o feto e o seu reflexo! Estou ensonado e já não me lembro de como foi a noite anterior. Mas! Espera! Isto não é um são DOIS! O tempo pára! Pisco os olhos várias vezes mas continuo a ver a dobrar. O meu cérebro está a tentar interpretar os estranhos sinais que os meus olhos lhe enviam. A tentar juntar as duas imagens que crê serem o espelho uma da outra – talvez seja uma de cada olho mas não consigo focar – enquanto toma nota no meu subconsciente que devia deixar de beber fosse o que fosse que tivesse bebido na noite anterior e que não se lembra – ou terá sido do pequeno-almoço? – chegando à única conclusão plausível: a máquina tem um defeito qualquer, aquilo são ultra-sons e estão para ali reflexos a mais.

O ainda inebriado subconsciente já tinha chegado à conclusão óbvia, mas além de ainda se sentir adormecido também não cria no que via, afinal o centro de processamento de imagem do cérebro estava completamente disparatado.

Nesse instante a imagem focou-se melhor. A ilusão acaba com a minha mulher a dizer:  “– São DOIS!” E a técnica que opera a máquina a perguntar: “–  Tem antecedentes de gémeos na família?”

Pois! Gémeos!

Desatei a rir, para dentro pois o exame ainda não tinha acabado. Era o meu subconsciente a gozar com o meu cérebro. Não estava assim tão bêbado, a noite anterior até tinha sido pacífica. De resto já nada interessava. Tudo está bem, parecem ser gémeos dizigóticos, blá, blá, blá…

Saímos dali todos a rir e continuámos a rir por mais uma ou duas semanas. Até que me comecei a afligir com a possibilidade de serem DUAS meninas. Uma não me importaria nada… mas DUAS?!

E comecei a matutar no caso e a achar que devia ter desconfiado quando ela me apresentou não um mas DOIS testes de gravidez, cada um com não uma mas DUAS risquinhas cor-de-rosa… os DOIS positivos!





(1) Sim, foi a um Domingo!