29 setembro 2006

Vira o disco e...

Bem, pego aqui no tema que ontem ficou na gaveta à espera que eu tivesse um pouco mais de paciência para lhe pegar... e vamos lá ver se não fico pelo caminho, pois isto faz-me um nervoso miudinho, indisfarçável. Um nervoso de irritação, que me apetece desatar a chamar nomes menos próprios a toda uma classe profissional.
Aqui não terei algum resquício de pudor nas generalizações.

Têm lido a imprensa nestes últimos tempos? Já nem digo nos últimos anos, digo apenas nos últimos meses.
Se a resposta for não: podem bem continuar sem esse vício.
Se a resposta for sim: deviam considerar largar esse vício e deixar de sustentar uma cambada de indigentes.

Estando desterrado, umas almas caridosas fizeram-me chegar às mãos não um mas dois dos mais respeitados diários portugueses, ambos datados de Domingo, 24 de Setembro de 2006.

Estava excitado com novidades semi-frescas, já eram de ontem quando lhes peguei, mas que, talvez pela textura do papel e do odor característico deste tipo de publicações, ainda apeteciam.
Depois, pensava eu na minha ingenuidade, estariam escritas em português... enfim... começam os desenganos.

Náuseas surgiram-me assim que olhei para as capas.
Depois de respirar fundo duas ou três vezes abri o primeiro. O som do papel a desdobrar-se para me mostrar a página seguinte, trouxe de novo uma pequena agitação ao meu espírito curioso. Mais do mesmo...

Folheio o jornal até ao fim, dou-me ao trabalho de ler as gordas e algumas das pequenas, mas não se aprende nada. Não há sumo. Quem é que tem paciência para isto?

Foi mais forte do que o meu auto-controlo, apenas consigo justificar a atitude com a palavra saudade, peguei no segundo jornal.
As páginas seguiram-se a um ritmo bem mais acelerado que o primeiro... aquilo era tudo igual!
Dei por mim, com os dois jornais abertos, a jogar o jogo "descubra as diferenças" entre eles.

Já não há jornalismo. Esperem, reformulo, o jornalismo transformou-se. A questão é que ainda ninguém percebeu em quê.
Se alguém já percebeu, deve ter vergonha de dizer, porque ainda não se descoseu.

E jornalistas! Desapareceram! Já não são capazes de se fazerem ouvir nem se importam com isso. E é fácil perceber porquê...
Entre outros defeitos tão ou mais graves, o pouco português que sabem mal lhes chega para fazer a lista de compras!

E depois? Depois acabam-se os jornais. Passaram a folhetins rasca. Com o mesmo tamanho, as mesmas cores, as mesmas noticiazinhas desencantadas, apresentadas da mesma forma com os mesmos cabeçalhos, as mesmas fontes, as mesmas fotografias. Quem passa os olhos por um lê todos!

Ao que parece, surgiu para aí um novo semanário, não lhe vou fazer publicidade, parece que o jornaleco sai aos Sábados. Opinam por aí os bem-aventurados da palavra que a tinta fresca de um jornal novo dará uma nova vida à imprensa e ao jornalismo, beneficiando os leitores.
Pelo que li na concorrência, pois ainda não tive o privilégio de desfolhar a novidade, acho que o desperdício de papel só servirá para aborrecer mais ainda os fins-de-semana das portuguesas e dos portugueses.

Nem de propósito, adiei o tema por um dia e logo hoje mais uma opinião sobre estas matérias. Dá para ver que ainda há jornalistas que se apercebem do que se está a passar. Pela invocação de um passado já longínquo, apercebemo-nos que o homem já é doutra era e olha para trás com nostalgia, mas mantendo o autismo e o orgulho de quem está no meio, olha para o futuro com optimismo moderado.

Mas há mais! A imprensa está em pânico com as novas Tecnologias de Informação (nome pomposo para designar os novos meios de comunicação).
Estão a perder terreno. Estão sobretudo a perder a exclusividade da palavra.
Até um totó como eu já escreve e publica sem esforço.

É óbvio que há culpados! E que esses somos nós, leitores que aceitam de bom grado, sem pestanejar, sem questionar, a desinformação que nos é colocada no colo.
Não exigimos mais nem melhor... a partir daqui é sempre a descer.

Essas cabeças ocas, cujos donos por aí respiram, deliram é em saber que a prima em terceiro grau do tipo careca que tem uma tatuagem no braço esquerdo e é irmão do rapaz bem parecido que dá pontapés na bola num estádio de futebol num país onde se fabricam carros desportivos ou onde se dança o samba que é casado com uma rapariga jeitosa que pousou meio despida num catalogo de uma qualquer marca de roupa interior masculina e que é amiga do vizinho que tem um cão pastor e uma gata parda arrancou uma verruga do nariz numa complicada cirurgia plástica e adoram ainda mais a entrevista exclusiva para todas as agências noticiosas da amante do médico anestesista.

Desisto! Não compro mais jornais para consumo pessoal.

Ligações anotadas:

O provedor sobre anglicismos:
http://dn.sapo.pt/2006/09/25/opiniao/socorro_sera_help.html
(O último parágrafo é referente ao jornal de Domingo passado)

Um jornalista de outra era:
http://dn.sapo.pt/2006/09/28/opiniao/o_mundo_nao_cabe_paginas_jornal.html

Um jornalista, não de outra era, constata o óbvio:
http://dn.sapo.pt/2006/09/27/opiniao/lugares_sol.html

Uma senhora, não jornalista, mas que pertence a uma classe que eu talvez aprecie menos, a dizer umas verdades:
http://dn.sapo.pt/2006/09/22/opiniao/a_importancia_palavra.html

Pequena anotação:

Tenho pena mas só o Diário de Notícias disponibiliza uma versão aberta das suas notícias na Internet, por isso estas ligações vão todas para o mesmo jornal, também pouco importa... dizem todos o mesmo...

1 Anotação:

Yosemite Sam anotou...

Tem piada, acabo de reparar que os links são todos para artigos de opinião.
Até há relativamente pouco tempo, esta era uma secção que eu ignorava completamente.
A falta de conteúdo, das restantes secções, onde o corpo das notícias não acrescenta valor aos títulos e subtítulos que as encabeçam. Leva-me a ler prosa, muitas vezes absurda.
Apercebo-me, no entanto, que a leitura desta secção se torna num exercício interessante.
Temos de saber avaliar as palavras e medir as frases à luz de diferentes ideais mas muitas vezes apreendemos vários acontecimentos num único texto, o que mais uma vez dispensa outras leituras.
É necessário ter o cuidado de não ficar totalmente satisfeito, ou não concordar totalmente com o que está escrito... não queremos perder a isenção nem as nossas próprias ideias.