13 dezembro 2006

MCXLIII...

No decorrer de uma amena cavaqueira alguém afirmou que o D. Afonso Henriques teria sido o rei português que fez o maior erro da nossa história.
Esta insólita acusação foi sustentada na opção táctica, segundo o meu interlocutor errada, de reconquistar para Sul em vez de conquistar para Leste.

A coisa foi apresentada num tom de voz tal, que deixou no ar a insinuação de que o Afonso, no auge da sua juventude, teria comido uns cogumelos alucinogénios antes de partir com o seu exército à conquista dos castelos mouros.
Eu rejeitei, peremptoriamente, este impropério!

Anos mais tarde, por mero exercício de retórica, resolvi analisar alguns dos prós e contras desta teoria. Afinal estamos, ao que dizem, na época em que o contraditório está na moda e só me fica bem aceitar e respeitar as opiniões dos mais velhos.

A minhas pequenas células cinzentas(1) devem ter escurecido bastante devido ao esforço aplicado, durante horas e dias a fio, na tentativa de prever todas as consequências de uma conquista para Leste.

Não atingi uma conclusão que me agradasse e por isso assumi, nas restantes reflexões, que a ideia seria conquistar não só para Leste mas também para Norte, ocupando toda a faixa norte da Ibéria.
Espanha teria as restantes três fronteiras iguais e no pedaço Sul, que sobraria do canto ocupado hoje por Portugal, estariam os Sarracenos.

Como não quero ser acusado de ser fundamentalista, nem tão pouco influenciar o vosso julgamento, apresento uma pequena compilação não classificada.

Portanto, se o Conquistador tivesse seguido para Leste:

  • Integraríamos no nosso território a cordilheira cantábrica e parte dos Pirinéus.
    Belas paisagens e picos bem acima dos dois mil metros, mais altos ainda que o Pico.

  • Portugal teria um acesso mais directo ao mar do Norte.
    Pouparia muito combustível para ir pescar bacalhau. E para Norte seria mais fácil de descobrir do que para Sul. Talvez atormentássemos os povos do Norte, assim ao jeito dos Vikings.

  • Não existiria a expressão “amigos de Peniche”(2). Seriam amigos doutra terrinha qualquer.

  • Olivença era espanhola (ou marroquina) e nós não nos preocupávamos com isso.

  • Com os galegos não haveria dificuldades, acho que eles até preferiam ser portugueses, mas com os bascos, que querem ser bascos, poderíamos ter problemas.
    Para terroristas com manias independentistas já nos chega o governo regional da Madeira. Isto partindo do pressuposto que as ilhas eram nossas.

  • Devido ao fluxo de imigração ilegal, já teria sido construído um muro ao longo das fronteiras terrestres entre Marrocos e os outros dois países da península.

  • Faríamos fronteira com a França.
    Se Napoleão atravessou toda a península e contou com a ajuda dos espanhóis, para nos tentar invadir, o que aconteceria se estivéssemos entalados entre essas duas nações?

  • A Lusitânia não estaria incluída nos nossos territórios.
    Seria muito complicado designar aqueles a quem, com orgulho hipócrita, chamamos de Luso descendentes, filhos de uma quarta ou quinta geração de emigrantes bem sucedidos, no Canadá ou noutro país qualquer.

Fiquei depois a matutar como seria o mundo se Portugal tivesse crescido na outra direcção.
Eis algumas perguntas para as quais não obtive respostas concretas:

  • Teríamos descoberto o Mundo?
  • Os brasileiros falariam árabe e os norte-americanos português?(3)
  • Sobre quem recairiam das piadas que hoje são sobre alentejanos?
  • O azeite seria tão bom como o nosso ou seria parecido com o óleo de colza espanhol?
  • E as sardinhas? Como toda a gente sabe, quando são pescadas fora das actuais águas portuguesas perdem a maior parte das suas qualidades.

Estas dúvidas existenciais apenas reforçam aquilo que o meu instinto me dizia: o Afonso não era tolo. Fê-la bem feita!

Eu cá sempre admirei o Afonso, o Fundador. Ele foi o primeiro!
Órfão de pai, teve de mostrar à mãe quem era o homem lá em casa.
Depois dessa pequena querela familiar, o rapaz ganhou o gosto pela espadeirada e descarregou tanto nos mouros (afinal não se deve bater na família), que ganhou o direito a ser rei de um país.

Em Zamora, a 5 de Outubro de 1143 (quem não sabe esta data não é Português!)(4), foi assinado o tratado no qual Castela, Leão e aqueles reinos que para ali estavam a oriente, reconheceram Portugal como um reino independente.

Por tudo isto ilibo de vez o D. Afonso Henriques.
Além de que, cá para mim, houve um rei que fez uma asneira muito maior. Precisamente aquele a quem foi prestada a maior e mais simbólica homenagem jamais prestada a um português!(5)
Irónico não é?

T.P.C.
(1) “Pequenas células cinzentas” é uma expressão colocada com mestria na boca de um famoso detective. Sabem de quem estou a falar?
(2) De onde vem a história dos “amigos de Peniche”? Na pequena lista que apresentei faço mais duas referências explícitas a esse período conturbado da história. Conseguem identificá-los?
(5) O rei é D. Sebastião e a asneira é sobejamente conhecida. Sabem qual foi a homenagem que lhe foi prestada? Esta hoje vale o chupa.

Nota para pensar:
(3) Já imaginaram como estaria neste momento o equilíbrio do mundo se os Estados Unidos tivessem sido criados por portugueses e o Brasil fosse um estado muçulmano? Estou tentado a acreditar que a geopolítica louca em que estamos embrulhados seria bastante diferente...


Nota extra:
(4) O dia em que o tratado de Zamora foi assinado é celebrado como feriado nacional mas por um motivo diferente.
Ironicamente, ou talvez não, exactamente 767 anos depois de o reino ter sido oficialmente criado, acabou-se com a monarquia e implantou-se a república.

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