20 fevereiro 2007

Três efes...

Não é do meu tempo a moda de descrever Portugal como a pátria dos três efes:

  • Fado – que tinha em Amália a sua grande embaixadora;
  • Futebol – com Eusébio, o Pantera Negra, a marcar golos pelo Benfica e pela selecção;
  • – onde Fátima se revela uma capital.

Estes efes resumiam não só uma realidade como eram, ainda, promovidos.
Uma campanha de propaganda para dentro e também para fora deste Império.

A voz da diva do fado ainda hoje faz vibrar os tímpanos de milhares de estrangeiros. Tenho a sensação estranha de que é mais ouvida, mais admirada e mais apreciada pelas gentes de fora.

O lugar que alcançou no Panteão Nacional, numa sala que mudou de nome(1) para a acolher e que obrigou a Assembleia da República a alterar a lei das transladações, será talvez um reconhecimento de um país que não sabe como lhe agradecer nem soube como a acariciar depois da revolução dos cravos.

A minha opinião sobre este assunto pouco conta, mas creio que o gavetão no cemitério dos Prazeres, seria uma maior atracção turística, assim ao jeito da Édith Piaf e dos outros ilustres no Père Lachaise(2). Esta opção manteria a cantora do povo junto do povo, nada mais justo.
Além disso a carreira 28 percorre um dos mais belos trilhos de Lisboa, subindo a colina mesmo até à praça S. João Bosco.
Se tivermos a sorte de não ficar bloqueados por um qualquer automóvel estacionado em cima dos carris na calçada do Combro.

Não sou um fã do Fado.
Fado é o destino, a sorte, a fortuna, nunca percebi porque têm de o rotular de triste e de o cantar amarguradamente.
É certo que a saudade é sentimento intrinsecamente luso e que o pessimismo tem um lugar reservado, de destaque, na nossa cultura, mas fado é uma palavra ambígua e prefiro levantar o moral.

De futebol não falo. Não evoluiu. Pelo menos não como desporto, talvez como arma de arremesso político e de propaganda. Aumentaram as maquias envolvidas, para que o efeito soporífero seja mais eficaz.
Quando o Eusébio se finar ainda hão de sugerir um sarcófago no Panteão.

Dos três tirámos dois, sobra um.
E cantam os Xutos:

“A 13 de Maio
Na Cova da Íria
Apareceu brilhando
A Virgem Maria”

Este será um tema mais melindroso.
Porque está enraizado mais fundo na nossa cultura.
Por não podermos retirar Portugal de um contexto mais vasto. Mais vasto no tempo e no espaço.

Como me considero agnóstico devo o respeito à Fé, seja ela qual for, mas reservo-me o direito à crítica, construtiva, sobre os dogmas que não encaixam na minha visão das coisas.

Sobre a religião escrevem-se tratados. Será um tema inesgotável para psicólogos ou sociólogos.
Hoje não vou por aí(3)... já fui noutros dias... provavelmente voltarei noutro dia.


Anotações:
(1) Amália, a primeira mulher no Panteão Nacional, foi transladada para a Sala dos Escritores. Não sendo escritora a sala foi renomeada Sala da Língua Portuguesa. Na mesma sala estão, se não me engano, Almeida Garret, João de Deus e Guerra Junqueiro.
Por acaso acho interessante, não consegui encontrar uma lista das personalidades sepultadas no Panteão Nacional. O sítio do IPPAR só se preocupa com a arquitectura das obras de Santa Engrácia.
Sei que estão por lá muitos ilustres Portugueses e que muitos outros são evocados por cenotáfios... mas quem?

(2) Père Lachaise é o cemitério do Este de Paris. Talvez seja um dos mais famosos cemitérios do mundo e seguramente um dos mais visitados. Entre outros famosos estão por lá Édith Piaf, Honoré de Balzac, Oscar Wilde, Moliere e Jim Morrison. Descobri que disponibilizam na rede uma visita virtual em: http://www.pere-lachaise.com/
Esta pode ser uma ideia para o cemitério dos Prazeres, ou mesmo para o do Alto de S. João... afinal também já estão para lá muitos famosos. Seria seguramente uma ideia excelente para o IPPAR apresentar o Panteão ao mundo e, quiçá, os outros monumentos sob a sua alçada.

(3)
Não vou por aí... quem escreveu este verso? E qual o título do poema? Estas hoje valem o chupa.

2 Anotações:

Anónimo anotou...

Cântico Negro

"Vem por aqui" --- dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom se eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui"!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
--- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha mãe.

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Por que me repetis: "vem por aqui"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis machados, ferramentas, e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!

Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
--- Sei que não vou por aí.

José Régio

PS - Fica aqui a nota, mas esta solto-a ao vento que passa...

Yosemite Sam anotou...

Este poema consegue arrepiar-me de cada vez que o leio... ou oiço.

Obrigado Nanó por elevares o nível destas notas transcrevendo o Cântigo Negro por inteiro.

Devo-te o chupa e ainda te ofereço um segundo... pelo calafrio que se transformou em calor, em ardor... cá dentro.