25 fevereiro 2007

Momo...

Das várias questões existenciais que assombram o espírito humano, creio que aquela que me deixa mais frustrado, por não conseguir encontrar uma resposta sólida, terá a haver com as origens da normalização.

O ser humano gosta de definir normas, sente-se mais seguro se as seguir.
As peças da vida parecem mais simples de encaixar se seguirmos caminhos pré-determinados e tomarmos as opções normais a cada momento.
Tornamo-nos em vagões de um comboio que segue os trilhos que são colocados e mantidos pela sociedade, essa massa de gente normal que se agrupa espontaneamente. Vagões normalizados, em classes – primeira, segunda, terceira.
A locomotiva não se vê, está bem lá para a frente, expelindo fumo que nos tolda a vista e nos enche os pulmões de fuligem.

Mas o que é normal? Será ser igual aos outros?
E o primeiro de todos foi igual a quê?

A teoria do criacionismo reflecte a necessidade humana de normalizar. O criador teria uns moldes a partir dos quais criou todo o Universo e ter-nos-ia criado à sua imagem e semelhança.

Mas a natureza rejeita a normalização. Será mais difícil encontrar um círculo perfeito na natureza que um trevo de quatro folhas.
Aqueles que se mantêm iguais, que se tornam normais, extinguem-se.
O equilíbrio natural, que é mantido pela única lei que a Natureza conhece – a lei da sobrevivência, existe porque nada é normal. Ou porque será normal ser diferente!

Se a Natureza normalizasse existiriam apenas três espécies no planeta – vegetais, herbívoros e predadores. Não existiria esta biodiversidade que parece atrapalhar-nos.

A normalização é uma quimera, perseguida pela estatística, mas os seres humanos revelam características tão díspares que o grau de incerteza, apresentado em letrinhas pequeninas, se torna na única informação relevante.
E, não poucas vezes, na única informação de esperança.

Por diferentes escalas, em diferentes níveis, somos colocados em caixas normalizadas e fechados hermeticamente por determinados períodos. Finda a data de validade, somos reclassificados e novamente etiquetados.
Somos apenas mais uns, desta mole de gente, separados em porções para caber nas caixinhas.
Porque nem todos são altos e nem todos serão baixos.
Porque nem todos são gordos e nem todos serão magros.
Porque nem todos são bons e nem todos serão maus.

As classificações, as regras e os regulamentos, são criados por quem se sente normalmente superior. Por quem quer definir os níveis de normalidade inferior de quem vai a reboque na parte de trás do comboio. Mas esses esquecem-se que:

A evolução não é feita por aqueles que se tornam locomotivas.
A evolução é feita por aqueles que têm a coragem de descarrilar.


Influências:
Um filme que marcou a minha vida foi “Momo”, baseado no livro escrito por Michael Ende.
Quando o vi pela primeira vez era talvez demasiado novo para compreender as suas metáforas, mas os homens cinzentos perturbavam-me, eram todos iguais, descoloriam o mundo.

Michael Ende escreveu outro clássico da minha infância – “A História Interminável”.
A adaptação ao cinema d’“A História Interminável”, que vi antes de saber ler em condições, não cobre todo o enredo do livro e não agradou o autor. No entanto, é claramente transmitido o apelo ao uso da imaginação e fica demonstrada a destruição que provoca uma sociedade estéril de ideias.


Nota final:
Uma sociedade torna-se estéril de ideias quando os indivíduos que a compõem são restringidos ao seu espaço intelectual. Uma ideia nasce numa cabeça, não em muitas, mas normalmente só se desenvolve se puder ser partilhada.

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