07 fevereiro 2007

Audácia...

Em 2006, George F. Smoot partilhou o prémio Nobel da Física com John C. Mather, pela descoberta das propriedades da Radiação Cósmica de Fundo (Cosmic Background Radiation).

Em poucas palavras, tentando ser sucinto, a Radiação Cósmica de Fundo, microondas que viajam por esse espaço negro, será quase tão antiga como o próprio Universo.
São os primeiros raios de luz que se libertaram da massiva bola de energia e matéria que existiu pouco depois do Big Bang.

Sempre que olhamos para o céu estamos a olhar para o passado.
Recebemos a luz do Sol cerca de oito minutos depois desta ser libertada pela nossa estrela e os pontos luminosos que apreciamos no céu nocturno são luz emitida há milhares de anos.
A radiação de fundo permite-nos olhar para um passado ainda mais distante.

A ideia destes peritos é um pouco como a dos meteorologistas... mas a escalas diferentes.
Os modelos criados pelos meteorologistas para que seja possível prever o tempo, ainda que com algum grau de incerteza, foram criados com base na recolha de uma enorme quantidade de informação, durante os últimos séculos.
Estes meteorologistas espaciais pretendem prever o futuro do Universo e para isso querem analisar os dados do passado, verificar a sua evolução e construir um modelo que seja minimamente fiável.
A radiação cósmica apresenta-se como um registo fidedigno de tudo o que se passou...
Claro que é preciso recolhê-la e saber analisá-la e foi exactamente nessa área que George Smoot deu um grande contributo para a ciência.

George Smoot esteve presente na apresentação à imprensa do satélite Planck, que está a ser construído pela Agência Espacial Europeia para estudar estes assuntos em profundidade, e concedeu uma curta entrevista.

Nessa entrevista, algo informal, afirmou que este género de conquistas científicas e os objectivos a que a Humanidade se propõe alcançar revelam uma extrema audácia.
Na realidade, como ele muito bem coloca a questão, a Humanidade está a tentar perceber o passado e o futuro do tempo e da matéria do vasto Universo olhando para o “vazio” a partir de um minúsculo grão de areia confinado num brevíssimo intervalo de tempo.

Se pensarem que:
- se estima que o Big Bang aconteceu há uns 15.000.000.000 (quinze mil milhões) de anos, mais milénio menos milénio
- que o nosso calhau tem qualquer coisa como 4.567.000.000 (cerca de quatro mil milhões e meio) de anos, mais século menos século
- e que o Homo sapiens se desenvolveu há “apenas” pouco mais de umas centenas de milhar de anos (200.000 a 300.000 anos).

Percebem rapidamente que as escalas de tempo envolvidas são demasiado grandes para que façamos contas de cabeça e que será realmente um feito se alguma vez conseguirmos compreender o que se passou antes de abrirmos os olhos.

Gostei de me sentir audacioso, de ter sentido que pertenço a uma espécie curiosa e exploradora do Espaço e do Tempo.

Mas o que mais apreciei da entrevista de George Smoot, foi a sua candura inocente quando sentiu a necessidade de justificar porque dedica o seu intelecto e, enfim, a sua vida a esta causa... a este conhecimento longínquo.

Não vou apresentar as suas palavras uma por uma, teria de as traduzir do Inglês e poderia cometer alguma incorrecção mas deixo aqui o essencial das suas convicções.

Para George Smoot, conhecer e validar cientificamente as origens e o futuro será convergir para uma teoria única, que será reconhecida pela Humanidade como válida. Unificará crenças e religiões, eliminará conflitos.
Isto numa altura em que as tensões mundiais estão elevadas, que a Humanidade terá novos desafios, vai ter de descobrir caminhos alternativos, para produzir energia, para atenuar as alterações climáticas, et cetera.

Uma ideia ingénua? Utópica? Talvez... mas é reconfortante.
De um optimismo genuíno. E de esperança.



O que ele não disse foi que no verso desta medalha está o esforço financeiro, estão os vários milhões que se lançam ao espaço para tentar perceber estas coisas, não poucas vezes em desperdícios, em projectos ineficientes... em corridas à Lua ou maratonas a Marte...
Está em ficar pelo caminho ou atrasar a chegada por meras opções políticas... está em ser do contra só porque sim.

Antes de unificar ainda há que resolver quezílias surdas, mudas e mal disfarçadas entre intervenientes directos nas decisões de projectos científicos deste nível, que sobrepõem interesses pessoais e nacionais, entre outros, aos interesses da Humanidade.

Ignorados por estes dois reversos do universo estão os milhões que morrem de fome, que olham as estrelas porque não têm mais nada... e estão tantos problemas que permanecerão insolúveis...

Entre o Longe e o Tudo está o Nada.

Certo é que o Universo existia antes e existirá depois deste breve sopro de vida humana.
Como dizia alguém, nada se perde, tudo se transforma...
Os átomos que nos animam serão matéria-prima de outras estrelas e outras galáxias.

Acho que o maior problema está em aceitarmos a nossa insignificância... e em aceitá-la com dignidade.

Há que voar! Alto! Longe! Mas não devemos esquecer as nossas origens, as nossas raízes.
Ao escaparmos a força gravítica deste planeta azulado não devemos esquecer aqueles que deixamos para trás.
E devemos estender-lhes a mão e levá-los a passear connosco... afinal somos apenas matéria e energia...


Anotações:
Um artigo sobre a apresentação do Planck pode ser visto aqui:

http://www.esa.int/esaSC/SEMM3XSMTWE_index_0.html

As ligações para a entrevista estão a meio do artigo, o vídeo está dividido em duas partes.
Outras informações sobre a Radiação Cósmica podem ser encontradas no mesmo sítio.

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