10 junho 2007

Mediterrâneo...

Nas quatro ou cinco tentativas que fiz para escrever esta nota não fui além de um chorrilho atabalhoado de palavras sem nexo.
Embora a minha insanidade seja incurável, sinto-me agora emotivamente mais frio para lidar com o mês de Maio.

Uma escrita emotiva tende a perder em objectividade.
Escrever com emoção, quero dizer, escrever emocionado, retira a lucidez necessária a uma análise clara e objectiva dos factos.
Talvez a prosa seja mais fluida, talvez a emoção funcione como catalisadora de figuras de estilo, mas nada acrescenta em realismo ou em conteúdo.

Mais problemático se torna, o encadeamento das palavras, quando as emoções são contraditórias, quando a felicidade se mistura com a tristeza e os olhos mareiam de alegria e mágoa.

Das corridas...

Terminada uma etapa é necessário olhar para a meta da etapa seguinte.
A vida é toda uma coisa ao jeito do ciclismo: metas volantes e prémios da montanha.
A estrada é longa e as suas características mudam à medida que se avança.
No meio do pelotão luta-se para chegar aos lugares da frente, disputam-se ao sprint as pontas finais.
Claro que há aqueles que pedalam por aí dopados, correndo a velocidades desumanas e atropelando os valores morais mais elementares.
Na vida não há fair play, é um salve-se quem puder constante.

A etapa que se segue terá outros objectivos e outras tácticas, neste caso terá até outro pelotão, outras equipas... e outros desafios.

Das terras...

As paisagens sucedem-se. Azuis, verdes, castanhos e todo o colorido das flores desta Primavera.
O preto riscado de branco, numa estrada a caminho do oeste.

Do mar para terra, da planície para a montanha, do chão para as nuvens!

Com novas paisagens, novos costumes.
Arquitecturas, gastronomias, línguas e outras coisas diferentes.
Outros olhares, outras interpretações.

E vemos outras maravilhas, outros recantos que fotografamos com a nossa memória... que o tempo distorce e gasta até se tornarem aguarelas esbatidas numa tela amarelecida.

Das gentes...

Sejam espectadores atentos ou parceiros na estrada, colegas de equipa, adversários ou árbitros, conhecemos novas caras à medida que os ponteiros do cronómetro giram.

Gentes... gentes que percorrem os seus caminhos, que se cruzam com os nossos.
Pessoas com quem partilhamos momentos. Instantes fugazes de uma vida a correr.
Gentes que sobrevivem ao primeiro impacto e aguentam tempo suficiente para aprenderem a suportar a nossa companhia.

Acabamos por vestir camisolas da mesma cor, mesmo que patrocinados por outras marcas.
Acarinhamos e somos acarinhados em grupos que nos acolhem, por um pelotão que pedala na mesma estrada e no mesmo sentido.

Sorrisos ou outras expressões faciais menos agradáveis denunciam estados de espírito que aprendemos a conhecer e a decifrar.

Uns guardamos como companheiros de estrada nas etapas seguintes, outros seguem por outros caminhos ou para outras provas.

Conhecer gente é uma riqueza maior.
Permitir que gente nos conheça é criar laços difíceis de quebrar.

Dos mares...

A saudade é um sentimento estranho... que se entranha segundo dizem alguns.
É como a água que verte pelas frinchas.
Ocupa os espaços vazios, escorrendo pelas fibras humanas.
É como a água, cíclica.
Evapora-se de um mar qualquer para gotejar dos nossos olhos.
E se não temos saudades de um mar temos de outro...
Ou talvez apenas de um lago.



Pequena grande anotação:
Esta nota, presa com comoção, junta apenas fragmentos de sentimentos e emoções.
Se é difícil para qualquer génio da literatura utilizar as palavras de maneira a incutir a sua afecção e sensibilidade, para mim é uma tarefa impossível.
Mas queria, ainda assim, dedicá-la... humildemente.
E dedico-a. Não como agradecimento, pois sei que não tenho de agradecer a ninguém.
Dedico-a para que o mundo saiba que há gente que aprecio.
Dedico-a porque essa gente teve paciência para cuidar de mim, mostrar-me outras coisas e outros saberes.

Com carinho...
Dedico-a às gentes do projecto Herschel-Planck, com quem foi um privilégio partilhar a estrada e o esforço.
E dedico-a às gentes lusas que trabalham numa pequena terra, cheia de
glamour, na Côte d’Azur, para que continuem a saborear o presente... na agradável companhia uns dos outros...

1 Anotação:

Harmonica anotou...

Um grande abraço das gentes lusas que por aqui ficaram mais pobres sem a tua companhía e boa disposição. No entanto, os nossos caminhos não se separam aqui... :)