04 maio 2007

Saltos...

Já aqui falei de sorrisos, hoje falo de lágrimas.

Lágrimas escorrendo em torrente.
Lágrimas cujo sal se cola à pele enrugada de faces doridas.
Lágrimas limpas com mãos calejadas do trabalho árduo.
Lágrimas que se misturam com os suores frios que os pesadelos provocam.
Lágrimas por lembranças de uma vida passada em busca de uma vida melhor.

Fui tocado por um pequeno documentário sobre a emigração portuguesa, em direcção a França, durante a ditadura que assolou Portugal no século passado.
Relatos crus de gente que passou as fronteiras a Salto. Gente que andou e correu léguas, atravessando montanhas e rios, em direcção a um paraíso que nunca existiu.
Infortúnios e misérias, amalgamados nas almas enrijecidas pela fome e pela sede dos seus filhos, venceram medos e terrores. Com coragem fugiram de balas, pulando, com esperança, pelos montes para um futuro incerto.
Foram estrangeiros num país estrangeiro, estranhos numa terra estranha.
Privados de tudo, lutaram para erguer o queixo e levantar os olhos que nunca perderam o brilho.
E os que regressaram foram e são estrangeiros nas suas terras... não são de cá nem de lá.

Com os olhos húmidos, lhes rendo uma singela homenagem. A esses bravos homens e mulheres amassados por um regime abrasivo e explorados por uma economia em crescimento.
E relembro que hoje, como nesses tempos distantes, outras gentes se arriscam a saltar em condições desumanas, atravessando desertos e mares, para outras paragens em busca de apenas um pouco mais.

Nos últimos tempos, perdi alguma da pujança com que prendia estas notas.
Não sei ao certo porquê.
Falta de inspiração, sei lá.
Tem-me faltado ânimo, talvez.

Sei que muitas vezes me lembrei destas teclas, pensando para mim próprio como acomodaria as palavras para descrever uma ideia, um sentimento ou uma observação.
Têm-me faltado o verbo e o adjectivo para descrever as paisagens que as ideias desenham no meu espírito... e têm sido tantas!

Foi necessário beber um trago de nostalgia concentrada para que voltasse a pregar aqui uma nota.
E, com os pêlos eriçados e crispado pela amargura no tremor das vozes que relataram desventuras, voltei à carga... mais virão!


Notas culturais:

Para ver: "Gente do Salto - Memórias de Portugueses que fugiram para França nos anos 60" de José Vieira, editado em 2005.

Noutro contexto (ou talvez não) para ler: "Estranho Numa Terra Estranha" de Robert A. Heinlein, editado pela primeira vez em 1961. Um Livro classificado na prateleira da Ficção Científica mas com uma vertente de análise social que lhe permitiria figurar noutras áreas.

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